Público - 05.10.2019

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Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019 • 33

mundo, enquanto as temperaturas
sobem, a quantidade e qualidade
da água provavelmente diminuirá
— e a quantidade de doenças
transmitidas pela água aumentará.
Há alguma questão que tenha
ficado de fora do relatório?
A questão que não cobrimos é que,
olhando para a questão da
segurança alimentar mesmo sem a
problemática das alterações
climáticas, a segurança alimentar
será um verdadeiro desaÆo para o
mundo nos anos vindouros. Temos
projecções de que a população
mundial possa oscilar entre os 9,5
mil milhões e 14 mil milhões de
pessoas até ao Ænal deste século,


portanto teremos mais bocas para
alimentar. Quando se aumenta a
riqueza económica, vê-se que,
quando as pessoas podem comer
mais, comem mesmo mais. Então o
consumo per capita tenderá a
aumentar, e só alimentar esta gente
toda será um grande desaÆo. Se
juntarmos as alterações climáticas
à equação, então torna-se ainda
mais desaÆante e até problemático
em algumas partes do mundo,
sobretudo nos países em
desenvolvimento. As alterações
climáticas são, sem dúvida alguma,
um dos factores que aumentam os
riscos de problemas relacionados
com a segurança alimentar, e

precisamos seriamente de pensar
nestas questões.
Em Portugal, uma universidade
decidiu que deixaria de servir
carne de vaca nas suas cantinas,
em nome da sustentabilidade. É
uma boa medida para ajudar o
ambiente?
Eu tenho um ponto de vista que
não é extremista no que diz
respeito a isto. Se a universidade
faz isto e os estudantes apoiam a
decisão, parece-me bem, mas as
pessoas muitas vezes têm
interesses diferentes e requisitos
em termos de dieta e penso que
temos de ter comida que dê
resposta a uma vasta quantidade
de requisitos. Por exemplo: há uns
meses conheci uma pessoa na
Austrália que me dizia que
morreria se fosse vegetariana — e
não no sentido Ægurado — porque
tinha uma doença em que quase
não conseguia comer outra coisa
que não carne. Para algumas
pessoas, essa decisão seria um
verdadeiro problema.
O que se pode então fazer?
A um nível geral, acho que aquilo
que temos de fazer é ter a certeza
de que as pessoas entendem que
podem ter um leque de escolhas
alimentares e que essas escolhas
têm impactos diferentes no que diz
respeito a emissões de gases com
efeitos de estufa. Depois damos
informação em relação a cada um
desses regimes alimentares,
nomeadamente no que toca à
pegada ambiental, para que as
pessoas possam fazer escolhas
informadas. Assim podem escolher
entre um prato que tenha uma
pegada ambiental grande ou então
pequena. Mas é muito claro que é
possível ter uma alimentação
equilibrada e saudável, bastante
agradável, com uma pegada de
emissões de dióxido de carbono
bem, bem, bem mais reduzida do
que muitos dos regimes
alimentares que temos hoje na
maior parte das nações ocidentais.
Isso passa por se fazer uma dieta
mais equilibrada e não
necessariamente vegetariana?
Para se conseguir reduzir as
emissões?
Todas as directrizes nacionais de
saúde que conheço indicam e
promovem uma dieta equilibrada,
mas, mais importante, este tipo de
alimentação equilibrada tem por

norma poucas quantidades de
carne (de diferentes tipos),
relativamente pouca quantidade de
lacticínios, mas uma grande
quantidade de frutas, vegetais,
cereais e frutos secos. A
recomendação mais abrangente
hoje em dia dos proÆssionais de
saúde é que uma alimentação que
seja rica em vegetais, frutas, grãos e
frutos secos ajuda a reduzir a
incidência dos três maiores
factores de risco que podem levar à
morte na nossa sociedade: o
cancro, as doenças
cardiovasculares e a diabetes tipo


  1. Escolher uma alimentação deste
    género ajuda a viver mais e é
    muitas vezes mais barata e mais
    feliz, porque sabemos que é bom
    para o planeta.
    Simultaneamente, há que ter
    cuidado com o uso abusivo dos
    solos.
    Sim. Em média, muitos dos nossos
    sistemas baseados em carne hoje
    em dia nos países ocidentais estão
    a dar cereais aos animais para
    comer, e isso é um uso muito pouco
    eÆciente de terra. Se comermos
    nós mesmos os cereais
    directamente, acaba por ser um
    uso de solo muito mais eÆcaz. As
    escolhas alimentares estão sem
    dúvida relacionadas com o uso dos
    solos, mas também é muito
    importante perceber que em
    alguns sítios não existe qualquer
    tipo de produção agrícola que sirva
    como alternativa; se formos a zonas
    semiáridas, muito secas, não
    podemos ter terrenos agrícolas,
    não podemos fazer crescer árvores
    de fruto, e a produção de gado
    acaba por ser a única opção
    disponível. Impedir a existência de
    criação de gado acaba por signiÆcar
    perder outras opções de vida. Além
    disso, em muitas partes do mundo,
    a criação de gado tem uma grande
    importância cultural e é muito
    importante para a economia, por
    isso temos de ter alguma
    sensibilidade ao lidar com estes
    assuntos, temos de ter cuidado
    com estas declarações abrangentes
    sobre as escolhas alimentares e uso
    de solo porque há muita coisa que
    tem de ser tida em conta.


Quando se


aumenta a riqueza


económica, vê-se
que, quando as

pessoas podem


comer mais,


comem mesmo
mais. Então o

consumo per


capita tenderá a


aumentar, e só


alimentar esta
gente toda será um

grande desaÄo. Se


juntarmos as


alterações
climáticas à

equação, então


torna-se ainda


mais desaÄante e
até problemático

em algumas partes


do mundo,


sobretudo nos
países em

desenvolvimento


Se formos a zonas


semiáridas, muito


secas, não


podemos ter
terrenos agrícolas,

não podemos fazer


crescer árvores de


fruto, portanto a
produção de gado

acaba por ser a


única opção


disponível
[email protected]

STUART HAY ANU PHOTOGRAPHY

A jornalista viajou a convite
da Fundação Oceano Azul
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