Público - 05.10.2019

(nextflipdebug5) #1

4 • Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019


DESTAQUE


DIA MUNDIAL DO PROFESSOR


Diferença entre salários de início


e de fim de carreira é das maiores


A

tenta a inÇação, o salário dos
professores portugueses em
início de carreira baixou
ligeiramente entre os anos
lectivos 2014/15 e 2017/18.
Portugal integra, de resto, o
grupo de 11 países onde o salário pago
aos professores que entram na pro-
Æssão é igual em todos os níveis de
ensino e, mais relevante do que isso,
“relativamente baixo”: 22.290 euros
brutos anuais, independentemente
de se tratar de um professor do básico
ou do secundário, enquanto na média
dos 42 países analisados pela rede
Eurydice esse valor oscila entre os
24.027 euros brutos (na pré-primária)
e os 27.791 (no secundário).
O relatório, que se dedica a compa-
rar os salários dos professores e dos
directores das escolas nos diferentes
países, aponta disparidades várias
não só no pagamento mas na forma
como este evolui. E aqui Portugal vol-
ta a distinguir-se por apresentar a
maior diferença no salário pago aos
professores do 3.º ciclo em início e no
Æm da carreira: 116%. Na média dos
países analisados, neste nível de ensi-
no correspondente ao 7.º, 8.º e 9.º
ano de escolaridade, o salário evolui
52%, entre o início e o Æm da carreira.
No outro extremo da lista, surge a
Lituânia, onde a variação salarial não
ultrapassa os 7%.
Voltando aos números absolutos,
um professor que em início de carreira
começa por auferir os referidos 22.
euros brutos por ano, pode aspirar a
ver o seu salário aumentado para os
28.783 euros brutos anuais, ao Æm de
15 anos de carreira, e até aos 48.
euros brutos, quando atinja o topo da
carreira. Mas a própria rede Eurydice

sublinha que a progressão dos profes-
sores portugueses é muito lenta,
demorando 34 anos até chegar ao
topo. E a maior subida salarial só ocor-
re após mais de 15 anos de ensino.
“Se os aumentos salariais estiverem
calendarizados para mais cedo, mais
professores conseguirão aceder aos
mesmos e durante mais tempo”,
notam os autores do relatório, apon-
tando a Dinamarca, a Alemanha, a
Irlanda e os Países Baixos como exem-
plos de países onde a progressão sala-
rial ocorre maioritariamente durante
os primeiros 15 anos de serviço.
“Embora os salários de partida
sejam importantes para atrair novos
professores, esse não é o único factor

Natália Faria


DANIEL ROCHA

Rendimentos baixaram entre 2014 e 2017

a considerar”, lê-se no relatório, para
sublinhar que, “se os salários subirem
rapidamente, começar com um salá-
rio baixo pode não ser um desincen-
tivo para alguém se tornar professor”.
No comunicado que acompanha o
relatório, o comissário europeu para
a Educação, Tibor Navracsics, volta a
lembrar que a remuneração dos pro-
fessores é um elemento-chave para
atrair pessoas para a proÆssão e para
garantir que aqueles se sentem “moti-
vados”. Logo, os governos devem
“reconhecer a importância” do papel
que desempenham, tratando de
garantir que, pela evolução salarial
tanto como pelo reconhecimento
social do trabalho que exercem, a pro-
Æssão seja suÆcientemente cativante
para “atrair os mais qualiÆcados”.
Este relatório, divulgado no âmbito
do Dia Mundial do Professor, que se
assinala hoje, já contempla o facto de
o acesso ao topo da carreira em Por-
tugal ter sido descongelado em 2018,
o que levou a um aumento de 9% nos
salários de topo. Ainda assim, no que
respeita ao aumento generalizado dos
salários na carreira docente, Portugal
surge no grupo dos países onde os
professores não tiveram aumentos,
entre 2016/17 e 2017/18, tendo por isso
perdido poder de compra.

Rede Eurydice aponta
Portugal como o país com
maior disparidade salarial
entre início e no topo da
carreira: 116%, no 3.º ciclo

Professores


portugueses


demoram 34 anos


a atingir o topo


da carreira. É das


progressões mais


lentas na Europa


[email protected]

Escolas Públicas. “Por isso é que esses
professores podem ser ‘beneÆciados’.
É uma esperança que podem ter.”


Faltam docentes?


Apesar das possibilidades de evolu-
ção que se aÆguram no futuro, os
jovens que hoje entram na proÆssão
ainda têm alguns desaÆos pela frente.
“Os professores mais novos que
começam agora a trabalhar estão
sujeitos a uma mobilidade enorme”,
resume João Dias da Silva, secretário-
geral da Federação Nacional da Edu-
cação (FNE). “Os primeiros anos são
feitos fora de casa, sem nenhum
apoio”, e é por isso que a estrutura
sindical defende uma “compensação
em sede Æscal pelas deslocações”.
Filinto Lima também concorda que
os professores devem beneÆciar de
apoios à sua deslocação. “Neste
momento, a falta de professores tem
que ver com uma circunstância con-
juntural”, explica o dirigente. É nas
zonas onde as rendas são mais caras,
como em Lisboa e no Algarve, que se
sente mais diÆculdades na contrata-
ção de docentes.
“Este não é o primeiro ano em que
isso acontece”, diz o responsável da
FNE. “No ano passado, durante o pri-
meiro período houve extremas diÆ#
culdades em várias situações para
conseguir professores, este ano esta-
mos a repetir a mesma situação. Isto
porque os horários são pequenos e a
remuneração é diminuta” e, por isso,
aceitá-los não compensa.
Ana Ferreira, 28 anos, é professora
de História e GeograÆa no Agrupa-
mento de Escolas Dr. Costa Matos, em
Vila Nova de Gaia. Apesar de conside-
rar que ainda não passou por muitos
estabelecimentos de ensino, já conta
com cinco escolas no currículo. A


dada altura Æcou colocada em Loulé,
no Algarve — apesar de morar em
Espinho, em Aveiro —, mas não acei-
tou a oferta, pois não conseguiu
encontrar casas cuja renda conseguis-
se suportar.
“Os professores contratados de
hoje rejeitam as colocações porque
não têm estabilidade Ænanceira para
suportar os custos. Isso é uma desmo-
tivação”, nota Ana Ferreira.
A professora Joana Cabral passou
o ano lectivo anterior com um horário
parcial, em Almada. “Não foi muito
fácil. É um meio muito diferente e
estava a pagar para trabalhar.” Este
ano, teve sorte — ensina a “dez minu-
tos de casa”, na Guarda. Mas para o
próximo não se sabe. “É incerto. Sou
professora contratada”, nota resigna-
da. Mesmo assim, não se assusta com
a possibilidade de sair. “Eu sou muito
jovem para me prender a um lugar e
deixar de fazer a minha vida.”

“Ser professor
é um desafio enorme”

Ana Ferreira assume que “ser profes-
sor é um desaÆo enorme”. Além da
instabilidade associada à incerteza
das deslocações, há outros factores
que contribuem para esse desaÆo.
Por exemplo, “a falta de reconheci-
mento”, a necessidade de cativar os
alunos e a imposição da presença e
autoridade na sala de aula.
Mas a “vocação” acaba por se
sobrepor a tudo isso. João Terroso, o
professor de Matemática que deixou
o emprego estável num colégio priva-
do para tentar a sorte no ensino públi-
co, diz que “sempre quis ser profes-
sor”. “Já me imaginei a fazer outra
coisa, mas foi sempre o bichinho do
ensino que Æcou.”
Joana Cabral também podia fazer
outra coisa depois de se ter licenciado
em GeograÆa, mas prevaleceu a von-
tade de ensinar. “Sempre tive um
carinho especial pela proÆssão”, diz.
Já Ana Ferreira explica que o que a
motiva é a vontade de “ser uma pro-
fessora inspiradora e cultivar o gosto
pelo conhecimento, pela sabedoria e
pela cultura”.
A presença destes jovens na escola
é “fundamental”, considera João Dias
da Silva, da FNE. “Não é bom na for-
mação inicial [das crianças] que todos
os professores tenham idade superior
a 50 anos.”

r

o e t c J m f p p é d m o a

Joana
Cabral
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