Público - 05.10.2019

(nextflipdebug5) #1

52 • Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019


DESPORTO


Planisférico Abandonou a família,


fugiu para a Tailândia e desapareceu


DR

Jean-François Hernández, com a camisola do Rayo Vallecano

Será possível desaparecer-se no mun-
do e não se ser encontrado? Será pos-
sível não deixar qualquer rasto ou
pegada digital num mundo alimenta-
do pela conectividade permanente?
A resposta só pode ser sim, sobretudo
se estivermos muito empenhados em
não sermos encontrados. Tal parece
ser o caso de Jean-François Hernán-
dez, um antigo defesa central francês
que passou pelo Marselha e pelo Atlé-
tico de Madrid, pai de Lucas, lateral
do Bayern, e de Theo, lateral do AC
Milan. Ninguém sabe por onde ele
anda, nem os próprios filhos, que
abandonou há mais de dez anos.
Desapareceu. Pode até já ter morrido.
Mas também pode dar-se o caso de
Jean-François, que os colegas trata-
vam por “Jeff ”, não querer ser encon-
trado e sentir-se bem assim, algures
no mundo e com outra identidade.
“Passaram 16 ou 17 anos e não sabe-
mos nada sobre ele. Não sei onde está
o meu pai, não sei o que ele faz, não
sei se está vivo ou morto”, contou
recentemente Lucas Hernández, late-
ral esquerdo do Bayern Munique e
campeão mundial com a selecção
francesa em 2018. “Nunca percebe-
mos por que razão ele se foi embora.
Um dia, ele desapareceu e nunca mais
soubemos nada dele”, acrescentou o
jovem futebolista de 23 anos. “Nunca
tentei encontrá-lo. Quando era mais
novo, ainda pensava nisso e gostava
de saber mais. Para mim, é perfeita-
mente claro que ele foi embora por-
que não nos amava e, se foi esse o
caso, foi pelo melhor.”
Lucas tinha cinco anos e Theo tinha
quatro quando Jean-François se sepa-
rou, em 2001, de Laurence Py, a mãe
dos seus dois filhos. Na altura, o fran-
cês já estava na fase descendente da
carreira, a cumprir a etapa final no
futebol espanhol. Representava, na
época, o Atlético de Madrid, colega
dos portugueses Dani e Hugo Leal,
depois de ter passado duas tempora-
das no Rayo Vallecano (no qual termi-
naria a carreira), onde teve também
companhia portuguesa, de Hélder
Baptista, um médio que tem sido, nos
últimos anos, adjunto do conterrâneo


assinou pelo Real Madrid, também
jogue a central. E há outra coincidên-
cia. Jean-François estava no Atlético
quando um jovem de 17 anos chama-
do Fernando Torres se estreou pelos
“colchoneros”, em 2001. Dezassete
anos depois, em 2018, Lucas esteve
no adeus de “El Niño” ao Atlético.
De Jeff, sabe-se que foi mesmo viver
para a Tailândia. Testemunhos de
antigos colegas diziam que estava
cheio de dívidas e que tinha de sair de
Espanha. “Tínhamos uma relação
próxima e um dia ele ligou-me a dizer
que ia para a Tailândia. Depois disso,
nada...”, contava em 2018 ao jornal
L’Équipe Franck Passi, antigo colega
de Hernández no Toulouse e no Com-
postela. “Tive amigos que o encontra-
ram na Tailândia, há três, quatro
anos. O Jeff sempre foi assim, um tipo
adorável, mas com as suas particula-
ridades, independente. Não me
espanta”, diz este antigo médio.
Há relatos que colocam Hernández
como dono de uma pequena loja
numa zona turística em Ko Samui, a
segunda maior ilha na Tailândia, mas
mesmo esse rasto também se perdeu.
Há histórias em fóruns de futebol de
gente que diz tê-lo encontrado e fala-
do com ele sobre futebol, mas são de
credibilidade mais do que duvidosa.
Não reapareceu quando o filho Lucas
se sagrou campeão do mundo no
Verão passado com a selecção fran-
cesa, nem quando o filho se transferiu
do Atlético para o Bayern por 80
milhões de euros.
“Agora que sou pai, percebo
melhor o que ele me fez. Se um dia o
encontrar, teremos uma conversa,
mas uma coisa é certa, nunca aban-
donarei os meus filhos”, garante
Lucas Hernández, pai de Martin, nas-
cido em Agosto do ano passado. Se
estiver vivo algures no mundo, Jeff
Hernández terá 50 anos. E é avô.

Tal como aconteceria com os seus Älhos, Lucas e Theo, Jean-François Hernández também teve


uma carreira de futebolista, mas ninguém conhece o seu paradeiro há mais de uma década


Futebol


Marco Vaza


[email protected]

Planisférico é uma
rubrica semanal sobre
histórias e campeonatos
de futebol periféricos

Ver mais em
http://www.publico.pt/planisferico

em França, com passagens por Tou-
louse, Sochaux e Marselha, onde nas-
ceram Lucas (em 1996) e Theo (em
1997). De Marselha, onde sofreu uma
lesão grave no joelho direito, o central
francês saltou para Compostela e,
depois, foi para Vallecas, um bairro
na periferia de Madrid, com uma pas-
sagem pelo Atlético pelo meio.
Hernández era um central canhoto
com 1,90m, forte na marcação e no
jogo aéreo, nunca tendo chegado, no
entanto, à selecção francesa. Em
2001, saiu de casa e, segundo contava
Laurence Py numa entrevista à Fran-
ce Football, ela e as duas crianças
foram despejadas. “Uma manhã, apa-
receram os oficiais de Justiça à minha
porta e disseram-me que tinha duas
horas para meter tudo no carro.
Fomos para um quarto de hotel e,
depois, para um pequeno apartamen-
to”, conta Laurence Py, que era este-
ticista e que sustentou a família com
a ajuda dos pais e do irmão. Do pai
dos rapazes, nada.
No ano seguinte, Jeff Hernández
deixou de ser notícia na imprensa
desportiva (deixou de jogar futebol)

e passou a aparecer com regularidade
na imprensa cor-de-rosa, assumindo
uma relação com Sonia Moldes, uma
apresentadora de televisão. Conhe-
ceram-se em 2002, casaram-se em
Abril de 2003 e tiveram uma “paradi-
síaca lua-de-mel na Polinésia france-
sa”, segundo contava a revista Hola!,
adiantando que Hernández dizia ser
“a viagem mais bonita da sua vida”.
A ideia, dizia o casal, era viver em
Madrid e gerir um espaço nocturno
com discoteca e restaurante, mas
também ir passar umas temporadas
à Tailândia, onde, segundo Sonia Mol-
des, Jean tinha alguns terrenos e pre-
tendia “começar negócios”.
A relação não terá durado mais do
que um ano. E é mais ou menos a par-
tir daqui que se perde o rasto a Jean-
François Hernández. Sem a influência
do pai ausente, Lucas e Theo foram
para o futebol, crescendo ambos nas
escolas do Atlético Majadahonda, um
clube de Madrid, do qual se mudaram
para o Atlético Madrid. Eram ambos
canhotos, como o pai, e ambos foram
para a defesa — ambos são laterais
esquerdos, embora Theo, que depois

Pedro Caixinha.
“Desapareceu? Desconhecia com-
pletamente essa situação. Agora
fiquei curioso. O que até é estranho.
Era bastante sociável com todos. Foi
mais de um ano, foram dois ou três.
Era bom colega, bom profissional.
Mas não posso comentar nem opinar,
não sei nada”, é tudo o que Hélder
conta ao PÚBLICO sobre o seu ex-co-
lega no Rayo nas épocas 1998-99,
1999-00 e 2001-02. A etapa espanho-
la era a fase final da carreira de Jeff,
depois de mais de uma década a jogar

“Passaram 16 ou 17
anos e não sabemos

nada sobre ele. Não


sei onde está o meu


pai, não sei o que
faz, não sei se está

vivo ou morto”,


conta Lucas


Hernández

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