Público - 05.10.2019

(nextflipdebug5) #1
Sábado, 5 de Outubro de 2019 | FUGAS | 19

mas económicos à época), deixando
órfãos os espaços nas cavernas que
garantiam, depois de um tempo de
estágio, vinhos de qualidade.
Mesmo sem vinho (não há qual-
quer produção comercial, apesar
dos esforços para recuperar a cultu-
ra da vinha), Setenil de las Bodegas
foi prosperando e, já na Idade
Moderna, continuou a beneÆciar da
sua localização estratégica entre os
povos da serra, numa paz que ape-
nas era interrompida de tempos a
tempos, com a presença de tropas
que não hesitavam em saquear a
população civil. E se a carta de pri-
vilégios foi conseguida logo em 1501,
pouco depois da derrota dos árabes,
com benefícios que na altura se
comparavam aos que gozavam, por
exemplo, Sevilha, Setenil de las
Bodegas obtém a independência de
Ronda já em 1630, vivendo numa
paz que somente foi interrompida


na entrada do século XIX, com lutas
de guerrilha contra o invasor fran-
cês.
E hoje, sendo essencialmente agrí-
cola (na segunda metade do século
passado foram muitos os que parti-

ram para outros países), Setenil de
las Bodegas faz um aproveitamento
do seu potencial turístico para atrair
cada vez mais visitantes – e são mes-
mo muitos, principalmente nos
meses de Verão – seduzidos por estas

casas trogloditas incrustadas na gar-
ganta do rio Guadalporcún, por esta
arquitectura popular que num tem-
po remoto servia de abrigo a gente
humilde, a famílias de ciganos, uns
e outros longe de imaginar como o

turismo haveria de transformar Sete-
nil de las Bodegas.
Nada melhor do que regressar,
ainda que por momentos, às Calles
Cuevas del Sol e Cuevas de la Som-
bra para constatar esta realidade. Os
turistas sentem-se enfeitiçados por
elas, por aquele equilíbrio aparen-
temente precário. Pouco depois,
subo à ermida de San Sebastián, a
primeira construção cristã da vila
após a Reconquista e lugar onde os
Reis Católicos montaram o seu
acampamento nos dias turbulentos
do cerco que redeÆniu as posições.
Bem próximo está o Peñón de los
Enamorados. Fico por ali, à espera
que a noite caia sobre Setenil de las
Bodegas, à espera que a lua ilumine
os céus, à espera da princesa e do
cadi e de escutar as suas promessas
de amor.
Mas a lua não aparece. Talvez por-
que os céus de Setenil de las Bodegas
são de pedra.
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