Público - 05.10.2019

(nextflipdebug5) #1
Sábado, 5 de Outubro de 2019 | FUGAS | 23

Sagardi Cozinheiros Bascos


Madeira e fogo, produtos da terra


e do mar retirados ao anonimato.


Os irmão Iñaki e Mikel López de


Viñaspre abriram o primeiro


restaurante Sagardi em Portugal,


depois de sete anos a conhecerem


a cidade em parceria com o grupo


Symington, em Gaia. Abel Coentrão


(texto) e Anna Costa ( fotos)


A tradição


basca já se


cozinha em


lume brando


no Porto


a A mesa tosca, em carvalho alvari-
nho, ou simplesmente roble, para os
espanhóis, era já um sinal do que
íamos encontrar no número 54 da
Rua de São João. Os irmãos Iñaki e
Mikel López de Viñaspre abriram no
domingo passado o seu primeiro
restaurante Sagardi em Portugal, no
Porto, acreditando que a cidade tem
espaço para um sítio onde a comida
se serve despida de artefactos que
nos afastam do lugar de onde a comi-
da vem. Porque, sabemos todos,
antes de chegar a uma mesa, tudo o
que comemos foi criado em algum
lugar, por alguém com um nome e
uma história. E aqui, prometem-nos,
isso conta.
Enquanto lá fora Outubro parece
Setembro – tal a temperatura e o rebu-
liço de pessoas e transportes mais ou
menos turísticos a dizer-nos para
esquecermos isso da “época baixa”



  • no arranque da Rua de São João, ali
    no cruzamento com a Infante D. Hen-
    rique, a azáfama é outra. O Sagardi


Cozinheiros Bascos está em alta, e aos
25 anos abriu há poucos dias o seu
primeiro restaurante em nome pró-
prio em Portugal, depois de uma
experiência dos manos Viñaspre em
parceria com a Symington, na outra
margem do Douro, nesse espaço de
referência que é o Vinum. Depois de
Espanha, abalançaram-se já por cinco
países e, por cá, hão-de chegar, quan-
do puderem, a Lisboa.
A aterragem no Porto faz-se em
regime de soft opening, mas a barra
de pintxos, com uma profusão de
iguarias pousadas num pão que se
bastaria a si próprio, é um convite
aos passantes, que de copo na mão


  • tudo aquilo vai bem com um bran-
    co fresco, do País Basco – não se
    fazem rogados.
    O rés-do-chão, a funcionar neste
    regime que por cá conhecemos
    como o de petiscos (vamos esquecer
    a palavra tapas por momentos)
    paga-se ao palito. É ouvir o chefe de
    barra a contar a lista, tirar, comer, e


alguém há-de contar os pauzinhos,
para fazer a conta, sob o olhar aten-
to da avô, que até poderia ser de
uma aldeia portuguesa que, pintada
na parede, parece observar todo o
movimento.
Lá em baixo, na cave, a ideia é que
nos sentemos, para uma refeição mais
demorada. Nenhum restaurante foi
feito para um comensal solitário, mas
Inãki faz questão de avisar que as
doses do Sagardi são generosas por
defeito, ou feitio, para que se possam
partilhar. Se a cozinha é inspirada na
sua avó, a forma de comer, insiste, é
inspirada numa maneira de ser que
preza a companhia, o convívio, a con-
versa. Até porque há muito para con-
versar quando fazem questão de nos
pôr a história do que comemos à mesa,
retirando a gastronomia do anonima-
to. Estes bascos são um grupo interna-
cional, sim, mas, mesmo conversando
connosco em castelhano, não querem
deixar de ser bascos.
Para lá do ambiente, que é o de

uma taberna basca incrustada no
granito do Porto antigo, a comida
pode ter outras origens. O rodovalho
grelhado que nos serviram chegou
via porto de Matosinhos, e a carne,
de uma vaca velhinha, a pedir des-
canso, era galega, podendo, noutros
dias, ser transmontana. Mas, num e
noutro caso, Inãki faz questão de
frisar que o conceito Sagardi implica
o estabelecimento de uma relação
directa com os produtores, e o rom-
pimento da dependência de inter-
mediários que, capazes de garantir
o fornecimento de tudo o que é pre-
ciso para uma casa destas, tornam
tudo anódino, despido de rostos,
como o do amigo que, na Rioja Ala-
vesa, produz o tinto que nos servi-
ram a abrir, o Debajo de La Escalera,
(traduzindo, debaixo do vão de esca-
das, esse lugar onde, lá como cá, se
guardam os vinhos melhores para
celebrações de família).
Tudo, do pão aos pimentos, do
peixe à carne, pede tempo, fogo len-

to e leva pouco mais do que sal,
algum azeite. A simplicidade é, assu-
midamente, a arma destes manos
bascos, que recusam o caminho da
soÆsticação que esquece as raízes de
onde tudo medra. “A cozinha não se
aprende na escola”, insistia Inãki
enquanto nos serviam uma sopa de
feijão preto de Guipúzcoa, tornado
vermelho, como o nosso, com a
cozedura, a que se pode juntar uma
morcela mais suave que as nossas,
alguns legumes e, querendo, Çor de
sal. Algo que em casa da avó se apre-
sentava em conjunto mas que nos é
servido com estes ingredientes em
separado, para que possamos expe-
rimentar o efeito de cada um naque-
le caldo denso, a lembrar uma casa
velha rodeada de campos onde o
feijão, diz-nos, cresce sustentado nos
caules do milho com que se alimen-
ta o gado. É o que dá ter antropólo-
gos a abrir restaurantes. Comer dei-
xa de, deÆnitivamente, ser apenas
comer.

Sagardi
Cozinheiros Bascos
Rua de São João, 54, Ribeira,
Porto
Horário: Todos os dias das 10h
às 24h (barra de pintxos) e das
12h às 23h (restaurante à lista).
Preços: pintxos a 2,10€;
pratos a partir de 12€

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