Sábado, 5 de Outubro de 2019 | FUGAS | 25
ainda não se conheciam em profun-
didade os terroirs que explicavam
isso. Foi precisamente nesse ano que
vieram até à quinta peritos franceses
fazer um mapeamento das unidades
de terroir.
O enólogo lembra-se bem desses
dias: “Eu estava muito entusiasmado,
mas na primeira manhã demos uma
volta e eles aconselharam-nos a não
criar grandes expectativas porque
lhes parecia ser tudo muito parecido.
Nessa noite já tinham identiÆcado
duas zonas com características dis-
tintas, o que era um princípio.”
Quando terminaram, o mapa da
Quinta dos Murças tinha nada menos
do que oito zonas diferentes – e o tra-
balho que desde então tem sido feito
com os vinhos procura reÇectir, da
forma mais pura possível, essas dife-
renças.
José Luís enumera: “A zona do
Reserva é de micaxisto, mais preto,
que absorve mais calor e é aí que
temos fruta mais compotada. A zona
que no mapa está identiÆcada a verde
é onde temos as minas de água, tem
muita acidez natural, é de onde faze-
mos o Minas, mais fresco, e a zona da
margem é onde o xisto é mais degra-
dado e é também a mais quente da
quinta, por ser junto ao rio. É onde
fazemos o Margem, que é um vinho
mais concentrado. Isto tudo, de
repente, começa a fazer sentido,
começamos a perceber por que é que
temos certas características nos
vinhos e a potenciá-las.”
Há ainda o Assobio, branco, tinto
e rosé, que vem das vinhas situadas
em cotas mais elevadas, com exposi-
ção a Norte e terrenos mais argilosos.
E o VV47, que provém da vinha ver-
tical mais antiga do Douro, plantada
em 1947, numa zona com o xisto mais
puro, mais rocha à superfície, e que
é um field blend de Tinta Roriz, Tinta
Amarela, Tinta Barroca, Touriga
Nacional, Touriga Franca e Sousão.
O passeio com Manuel, em que
descobrimos também as vinhas
velhas da quinta (incluindo uma,
recentemente plantada, que repro-
conseguir em cada garrafa oferecer
a “expressão mais pura do terroir”.
Por isso, José Luís anda a “brincar”,
entre outras coisas, com ânforas tra-
zidas de Itália – fez, a partir do Minas,
o Ânfora, “o primeiro do Douro esta-
giado e viniÆcado em ânfora”, e
depois um outro igual, mas com uvas
colhidas 15 dias antes, de cor clarete,
e aprovado como rosé.
E para quem, como nós, dormiu
duas noites na casa da quinta, pas-
sando pela cozinha para dizer olá
como se fôssemos da família, conver-
sando com os outros hóspedes à
mesa do pequeno-almoço, mergu-
lhando na piscina para espantar o
calor, percorrendo as vinhas, andan-
do de barco, e pisando uvas à noite
nos lagares, o Assobio, o Minas, o
Margem, o VV47 ou o Ânfora têm
outro sabor – o da terra de onde nas-
cem, do calor que aqui sentem, do
vento que as percorre.
No Ameal,
pode-se produzir
“um dos melhores
brancos do mundo”
José Luís Moreira da Silva
conhece bem os vinhos do
Alentejo, tem vindo a explorar
os do Douro, na Quinta dos
Murças, mas nunca trabalhou o
Vinho Verde. Por isso, não
esconde o entusiasmo por
poder agora fazê-lo na Quinta
do Ameal, que o Esporão acaba
de comprar ao até aqui
proprietário, Pedro Araújo.
Trata-se de uma propriedade
histórica, no vale do rio Lima, na
Região Demarcada dos Vinhos
Verdes, 30 hectares ao todo,
sendo 14 de vinhas (cinco serão
agora reestruturados) e com um
trabalho muito centrado na
casta Loureiro. “A escolha do
Ameal vem da vontade de ter
uma quinta diferenciadora”,
explica o enólogo, “e aí entra o
Loureiro, que é uma aposta,
com um perfil de vinhos
diferentes do que é o tradicional
Vinho Verde”.
O Esporão, garante, vai entrar
como costuma fazer nos seus
projectos (acaba de abrir
também um restaurante-loja no
Porto), com calma, aprendendo
com quem os conhece melhor –
neste caso, contando com a
colaboração de Pedro Araújo.
“Vamos ter, como já acontecia,
uma oferta muito baseada nas
diferentes expressões do
Loureiro. E queremos explorar o
enoturismo, aproveitando o que
já existe e crescendo a partir
daí.”
José Luís está convencido de
que a região dos Vinhos Verdes
“pode ser das melhores do
mundo para produzir brancos”.
Por isso, os seus planos passam
por adquirir um conhecimento
mais profundo dos solos, por
perceber por que é que o
Loureiro se dá tão bem ali e,
claro, “com a nossa irreverência,
experimentar algumas técnicas
novas”. Há muito trabalho a
fazer, conclui, mas há também
“a oportunidade de produzir um
dos melhores vinhos brancos do
mundo”.
FOTOS: DR
i
A Fugas esteve alojada
a convite da Quinta dos Murças
duz exactamente a vinha velha que
Æca ao lado), ajuda-nos a perceber
como é que a Natureza molda e
inÇuencia cada parcela – e a provar
os vinhos com a sensação de perce-
bermos muito melhor o que o enólo-
go quer transmitir.
Mas há outra forma, complemen-
tar, de olhar a quinta e é isso que nos
propõem no dia seguinte de manhã,
depois de um generoso pequeno-al-
moço que Sílvia nos serve na mesa
familiar de refeições, com granola e
bolo caseiro, ovos, sumo de laranja,
doces: um passeio de barco pelo Dou-
ro, naquele que, dizem-nos, foi o
primeiro barco movido a energia
solar a andar por aqui. Fábio guia-nos
ao longo da margem, pela curva do
rio junto à quinta e à nossa frente
vamos vendo as várias parcelas que
no dia anterior tínhamos visto no
mapa que José Luís nos mostrara.
Conhecidas as características de
cada uma, o trabalho do enólogo é
aprofundar o conhecimento, experi-
mentar, testar, procurar formas de