28 | FUGAS | Sábado, 5 de Outubro de 2019
Vinhos
Joe “Obi-Wine-Kenobi” Fattorini
e três actores – “idiotas úteis”
nesta exploração – percorreram
Portugal à procura de vinhos que
não existiriam sem as histórias.
Os sete episódios, relatos da vida
de um país, serão transmitidos
em 2020. Luís Octávio Costa
O vinho português que provocou
lágrimas no The Wine Show
a Por breves momentos – uns vinte
minutos bem medidos –, James Pure-
foy (Marco António na série de televi-
são Rome) e Joe “Obi-Wine-Kenobi”
Fattorini sentaram-se refastelados
numa sala da Quinta do Noval, o Dou-
ro a seus pés, fazendo uma pausa nas
Ælmagens de The Wine Show, que irá
revelar ao mundo alguns segredos
bem guardados dos vinhos produzi-
dos em Portugal e sobretudo algumas
histórias que dão vida ao produto que
está dentro da garrafa. “Estávamos
no Alentejo. Estava calor e tínhamos
andado num terreno pesado com os
corticeiros. No Ænal do dia dei um
golo e comecei a chorar”, começou o
actor. “Talvez tenha sido um dia lon-
go, mas o vinho arrebatou-me. Nunca
me tinha acontecido. Pode nunca
mais voltar a acontecer...”
É disso que trata The Wine Show,
programa televisivo visto em mais de
cem países e que, depois de França e
Itália, escolheu Portugal para base de
sete episódios, de uma hora cada um,
que foram Ælmados em Julho deste
ano e que serão transmitidos no início
de 2020. Os apresentadores, especia-
listas em vinho ( Joe Fattorini e Amelia
Singer), aterram num país e lançam
desaÆos a três actores célebres pelos
seus papéis em séries televisivas –
Matthew Goode (Downton Abbey, The
Crown) e Matthew Rhys (Irmãos e
Irmãs e The Americans), para além de
James Purefoy – que vão descobrir as
histórias por trás do vinho e das
regiões onde é produzido.
“Digamos que trabalhamos contra
a maré, contra a tendência dos pro-
dutores e dos vendedores de vinhos
segundo os quais o que interessa é o
que está dentro das garrafas”, aponta
Fattorini, nome incontornável na crí-
tica e no comércio de vinhos no Reino
Unido nos últimos 20 anos. “Eu digo
que o que está dentro das garrafas
abre janelas e portas para experiên-
cias que te fazem chorar”, reforça. “A
parte interessante de mandar o James
nestas missões é eu, como comercian-
te de vinhos, saber que existem sítios
magníÆcos e vinhos incríveis e dife-
rentes para descobrir. E especialmen-
te em Portugal, que ainda não é mui-
to conhecido por ter variedades ligei-
ramente complicadas de uvas e não
ter propriamente o perÆl de vinhos
que encontramos em Espanha, Itália
e França. Ele vai visitar estes sítios
porque quero que as pessoas que vêm
o programa pensem ‘adorava ir ao
Alentejo; Setúbal parece interessante;
aÆnal o vinho verde é delicioso, claro
e cítrico.’ Se eles virem que tu expe-
rimentas, vão querer fazê-lo também.
Quando abres uma garrafa de vinho
e provas, todas estas imagens estarão
na tua cabeça.”
Ficaram na cabeça de James, “cons-
tantemente surpreendido” pelo
“comprimento, a profundidade e o
respirar do vinho português”. Di-lo
de uma forma eloquente. “Não sabia
muito sobre o vinho português. Não
sou um especialista de vinhos. Ele é
que é. Eu não. Acreditamos que, se
nos dá prazer, é um bom vinho. Não
interessa se custa cinco ou 500 euros.
É lindo. E há alguns vinhos que
knocked my socks off”. A tradução,
como a crítica aos vinhos on the road,
é muitas vezes livre. O actor, que diz
ter passado “todo o Verão” a beber
Vinho Verde (ӎ algo que podia beber
DR
ao pequeno-almoço”), deixa apenas
um conselho a quem vê o programa.
“Em vez de abrires uma garrafa, de o
despejares no copo e de o entornares
pela garganta, aproveita o momento,
inspira, ouve o vinho. Presta atenção.
Deixa-o falar durante uns instantes.
Porque podes aprender muito.”
“Às vezes”, diz o apresentador, “é
óptimo estar com um usefull idiot
[idiota útil] [”É bem verdade!”, inter-
pela James], com uma pessoa normal
que te diga ‘isto é o que realmente me
interessa, isto foi o que me comoveu’.
Em Portugal, por exemplo, há pes-
soas com características graníticas
que vivem em sítios graníticos, como
na região do Dão. Isso nota-se no
vinho e nas pessoas.”
“O melhor trabalho
do mundo”
A haver um resumo dos episódios
gravados em Portugal (a gastrono-
mia, Vasco da Gama e os Descobri-
mentos, a cortiça, a religião, o Douro
e a herança inglesa) seria algo como
“o vinho português reÇecte a perso-
nalidade dos portugueses”. “Todas
as pessoas são muito hospitaleiras e
querem encher o teu copo – como eu
descobri no passado sábado durante
um almoço que durou dez horas.
Portugal hoje recusa-se a arrancar a
sua Touriga Nacional para plantar
Syrah.Há excepções, e lugar a expe-
riências, mas na sua maioria os pro-
dutores portugueses trabalham as
castas portuguesas, mesmo sabendo
que os vinhos são mais difíceis de
vender e mais difíceis de catalogar.
Dir-te-ão ‘isto é o que fazemos aqui!’
E isso faz parte da personalidade dos
portugueses.”
A equipa de The Wine Show orgu-
lha-se de não viajar com preconceitos.
“Somos muito preguiçosos. Normal-
mente somos preconceituosos quan-
do viajamos”, admite James Purefoy.
“E o programa obriga-nos a trabalhar
arduamente e a escavar mais fundo,
a tentar encontrar alguma verdade do
país. Tentar contar a história destas
pessoas, neste país, através do vinho
deles. No Ænal, é um trabalho mais
honesto.”
“Ainda hoje me sentei nesta sala
com um produtor durante 45 minu-
tos e aprendi coisas sobre vinho que
não sabia (que o Vinho do Porto era
tão bom enquanto jovem, por exem-
plo). E disse-lhe coisas sobre vinho
que ele não sabia”, acrescenta, entu-
siasmado, Joe Fattorini. “Experimen-
tar vinho é como mudar de roupa”,
disse Joe num concurso televisivo. “Às
vezes ouço Bananarama, que é o
vinho de 4,99 libras”.
Que se saiba, não há ninguém entre
jornalistas de vinhos e comerciantes
de vinhos que não queira o seu actual
trabalho. “Perguntam-me ‘como raio
é que conseguiste esse trabalho?’ É o
melhor trabalho do mundo. Bebemos
vinhos do século XIX, divertimo-nos
imenso, visitamos sítios incríveis. E as
pessoas abrem coisas muito, muito
boas, coisas que nunca provaria nou-
tras circunstâncias.” Joe adorou “as
coisas estranhas de Colares” que pro-
vou. Mas sai de Portugal “apaixonado
pelos vinhos do Alentejo e pelos bran-
cos do Douro, que compara aos Bur-
gundy. “Vê-lo surpreendido com
vinhos, olhos arregalados, é mesmo
uma boa sensação”, comenta James,
que em Julho chorou ao beber um
copo do alentejano Cem Reis. “Pensei
que ele sabia tudo! E não sabe! Tam-
bém Æca tocado com a espiritualidade
do vinho. Também ele é um idiota útil.
Nenhum de nós é imune a essas histó-
rias. O Joe tem o coração aberto e uma
atitude muito curiosa. Esse é o grande
segredo do sucesso do programa.”