Folha de São Paulo - 03.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee


opinião


A2 Quinta-Feira,3DeOutubrODe 20 19

UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

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editoriais


Revésnareforma


Democraciatensionada


Terminadaavotaçãoem primeiro
turno dareforma daPrevidência
no Senado,oresultadoaté aqui é
umtantodecepcionante.
DesdequeotextochegouàCa-
sa,aeconomia esperadacomaur-
gentemudança nasregras das apo-
sentadorias játeve redução de 14 %
—deR$ 933 bilhões em dez anos,
naversãovotada pela Câmara, pa-
ra R$ 800 bilhõesagoraestimados.
Verdade que os deputadostam-
bém desidrataramaproposta ori-
ginaldoExecutivo. Naquela pri-
meiraetapa, porém, as interven-
ções legislativas seconcentraram
em aspectos mais polêmicoseme-
nos essenciaisdoprojeto.
AtarefabásicadoSenado deve-
ria ser apenasrecolocarestados e
municípiosnareforma. Entretan-
to os parlamentares, em buscade
dividendospolíticos, afrouxaram
normas já no processodeelabora-
çãodorelatórioaser votado.
Noexame da matéria em plená-
rio,mais perda paraoerário. De-
pois de aprovadootexto-base por
ampla margem, de 56 a 19 ,ossena-
dores decidiram criar embaraços
paraoPalácio do Planaltonaaná-
lise em separado dos destaques.
Frágil nos embatescongressu-
ais,ogovernoJair Bolsonaro (PSL)
nãoreuniu os 49 votosnecessários
paramanter as alterações no abo-
no salarial, um benefício pagoho-
je atrabalhadorescomrendaaté 2
salários mínimos(R$ 1. 996 )—es-
se limitecairiaaR$ 1. 364 mensais.

Perde-secomisso uma poupan-
ça calculadaemR$ 76 bilhões ao
longodopróximo decênio,noin-
tuitodepreservarumprograma de
R$ 17 bilhões anuais questionado
por boa partedos especialistas. Se-
gundo dados do Ipea, 59 %dos re-
cursosdoabono são pagosafamí-
lia squeestãona metade superior
da distribuição derenda.
Deacordocomalógicabrasili-
ense,aderrotadogoverno parece
decorrentedeinsatisfações coma
articulação políticaeuma suposta
atenção privilegiadadoPlanalto a
demandasdaCâmara.
Houvetambém quem apontasse
incômodocomapossibilidade de
alterações,pelos deputados, dos
critérios de divisão dasreceitas
do petróleocom estadosemuni-
cípios aprovadospelos senadores.
Tudoconsiderado,areformanão
deixaráderepresentar um passo
expressivonoprocesso dereequi-
líbrio do Orçamentofederal.Tra-
ta-se do ajuste mais profundo da
Previdência ao longodemais de
duas décadas deesforços.
Ocerne da proposta, que inclui
idadesmínimas para aposentado-
rias,novocálculo para os benefíci-
os eredução de privilégios do fun-
cionalismo,estápreservado.
Asdiluições notextosignificam,
naprática, acréscimosaumadí-
vida públicaque cresceemritmo
alarmanteeatravancaaeconomia.
Quando mal fundamentadas, pre-
judicamtambémapolíticasocial.

Numasucessãovertiginosa de
acontecimentos,oPeru mergu-
lhounum impasse políticoque
incluiu trocadepresidentes, Con-
gresso dissolvidoeeleições ante-
cipadas parajaneirode 2020 ,cer-
ca de um ano antes do previsto.
Asraízes da crise queeclodiu
neste semanaremontamaopleito
geralde 2016 ,que fraturouarela-
çãoentreLegislativoeExecutivo,
eaos desdobramentos de um es-
cândalodecorrupçãoenvolvendo
aempreiteirabrasileiraOdebrecht.
Há três anos,oliberalPedro Pa-
bloKuczynski,ouPPK,conquis-
touaPresidência aovencer por
margemapertadíssimaKeikoFuji-
mori, filhadoex-presidenteAlber-
to Fujimori —hoje preso porcor-
rupçãoeviolação dos direitos hu-
manos.NoCongresso,contudo,a
oposição obtevemaioria.
Arelaçãoentreosdois Poderes,
tensa desdeoinício,degringolou
rapidamenterumoàparalisia ins-
titucional. PPKfoiacusado derece-
ber propina parafavorecer aOde-
brecht quandoministroe,diante
de um provável impeachment,re-
nunciouemmarço do anopassado.
Assumiu seuvice, MartínVizcar-
ra.Apesar da mudançanachefia do
Executivo, adinâmicacomoCon-
gresso poucosealterou.
Vizcarrasevaleuentão do clima

de indignação popularparatentar
reformarosistema políticoperu-
ano.Promoveuumreferendo cu-
jo resultado impediu os legislado-
resdeseremreeleitos.Para resol-
verosimpasses quebloqueavama
administração,propôs que as elei-
ções fossem antecipadas.
Aoposição fujimoristafoi con-
tra. Com membros alvejados por
denúncias decorrupção (a própria
Keikoseencontrahoje presapre-
ventivamente),ogrupoteme per-
dercapital políticonum momen-
to degrande desprestígio popular.
Nestasemana,adisputachegou
aoTribunal Constitucional,amais
altainstância daJustiça. Enquan-
toos oposicionistas se articula-
vamparanomear 6 novosmem-
bros dacorte, de umtotalde 7 ,Viz-
carradissolveuoCongresso.Ama-
nobra, emboratenharespaldona
Constituiçãoperuana,nãoédeto-
da isentadecontrovérsias, porém.
OParlamentorevidoucolocando
avice-presidente, Mercedes Aráoz,
nocomando do país. Ela, no entan-
to,desistiuemmenosde 24 horas.
Abalança, agora, parecepender
paraoladogovernista. Mas, se-
ja qualforodesfecho,acontenda
mostracomooembate político ex-
tremado,atestar os limites da le-
galidade, podeser perigoso para
ofuncionamentodademocracia.

Senadoreduz economiacomtexto da Previdência,


aindaexpressiva, emfavor de programaduvidoso


SÃOPAULODeunoNewYorkTimes
(e nestaFolha): aNBAvaitomar pro-
vidências paragarantira“integrida-
de da informação” que divulgapu-
blicamente.Emoutraspalavras,a
principal ligadebasquetedoplane-
ta passaráacombaterasfakenews.
Asnotíciasfalsas que circulam por
lá podem serconsideradas de me-
nor importância. Porexemplo,des-
cobriu-se na últimatemporada que
BuddyHield, doSacramento Kings,
completara 26 anosdeidade,enão
25 ,comotodomundo imaginava.
Oatletajuradepés juntos que
nuncadifundiuamentira. Os sites
de notícias,diz ele,équeerravam a
data de seu nascimento.Podeser.
OutrosastrosdaNBAnão parecem
terdefesa.Kevin Durant, do Brook-
lynNets,sempresevendeucomo al-
guém de 2 , 06 metros, emboratenha
cercade 2 , 13 .Motivo?Commais de
2 , 10 elefatalmenteacabaria sendo
escaladocomo pivô, uma posição
na qual nãoqueriajogar.
Oinversotambém acontece. Dray-
mond Green( 2 , 01 metros), doGol-
den StateWarriors, emgeraltinha

sua alturasuperestimada parareba-
terapercepção de queémuitobai-
xoparasua função na quadra.
ANBAse deucontadeque só tinha
aperder se nãotomasse umaatitu-
de. Em entrevistaàBloomberg, Mark
Tatum, um dos chefões do basque-
te americano,disse quetorcedores
eparceiros de negócios questiona-
riamatransparência da ligaseela
nãofossecapaz degarantirapreci-
são dos dados divulgados.
Um dos pontos centrais de seu ar-
gumentoéalegalizaçãoeocresci-
mentodas apostas esportivas. Com
isso,diz ele,“a precisão dasinforma-
ções terá muito, muitomaisimpor-
tância do que no passado”.
Talvez não sejaajustificativa mais
edificantedomundo, mas seu prag-
matismo inspira esperança. Se gran-
des organizaçõescomoaNBAdefa-
to começaremasepreocuparcom
aqualidadeda informação,então o
combate às fakenewstemalguma
chancededar certo.
Mas essaéuma luta que,como su-
gere Tatum, dependedapressão de
“torcedoreseparceiros de negócios”.

BRASÍLIAOgovernoachou que estava
fazendo um baitanegócio aoterceiri-
zar paraoCongressoaaprovação da
reforma daPrevidência. Abriu mão
defazerarticulaçõeseconquistar
votos, masconseguiufazeravançar
umamatériadifícil, mesmo assim.
Agora,afaturadaomissão chegou.
OPlanaltopagaumpreço altopor
suaretóricaantipolítica,comjuros e
correção monetária.Decididoanão
montar uma base de partidos alia-
dos,Jair Bolsonarodecidiu negoci-
ar emendas novarejo paraabaste-
cerdeputadosesenadores em tro-
ca devotos. Num período de sufoco
orçamentário,acontaficousalgada.
Opresidenterealmentecumpriu
apromessa decampanha de acabar
comoloteamentodeministérios
parasiglasgovernistas, mas não se
envergonhoudeabrirumbalcão de
cargos de segundo escalão.Aparti-
lha de poder,diga-se,écomum pa-
ra formarcoalizões no Congresso,
masBolsonarosóaderiuaométodo
porquetentamimar senadores dis-
postosaaprovar ofilho Eduardo pa-
ra aEmbaixada do Brasil nos EUA.

Oerrodecálculo ficaclaronareta
final davotaçãodareforma.Mesmo
se valendo deexpedientes quecos-
tuma criticar, ogoverno sofretrope-
çosquetendemaaumentaroscus-
tosdesuarelaçãocomoCongresso.
Bolsonaro achou quepoderiaceder
protagonismoàCâmaraeaoSenado
semcorrer riscos, mas agorasevê
semcontrole de sua própria pauta.
Deúltima hora, os senadores mu-
daram umaregraquereduziuaeco-
nomia previstacomonovosistema
de aposentadorias.Depois, ameaça-
ramadiaraconclusão dasvotações
enquantonão houvesse acordocom
aCâmara sobreapartilha dodinhei-
ro do pré-sal.OPlanaltoficourefém.
Areação do ministroPauloGue-
desrefleteavulnerabili dade dogo-
verno.Emretaliação aos senadores,
ele disse quecortaria umaverba pro-
metidaaestadosemunicípios. Pou-
ca genteseincomodou. Guedeséo
sujeitoque, em março,ameaçou dei-
xarocargose apoupançacomare-
formaficasse abaixode R$ 1 trilhão.
Agora, ele estánas mãos do Congres-
so paraconseguir R$ 800 bilhões.

RIODEJANEIROOBrasilfoi oúltimo
na AméricaLatinaaaboliraescra-
vidão, em 1888 .Quase um século se-
paraamudança iniciada nassocie-
dades mais desenvolvidas,como a
Dinamarca,queproibiuem 1792 o
comércio de escravos. Peloandar
dacarruagem,omesmovaiacon-
tecercom outrostemasque jápas-
saramater oentendimento revisa-
do,comoalegalização da maconha.
Nãotemosmais as barreiras de
informação, comunicaçãoetecno-
logia, quesemprecontribuíram pa-
ra nos deixar na lanterninhado de-
senvolvimento. Masachancedea
Anvisa debateroassuntocom seri-
edadeeacompanharmos osavan-
çoseastransformações pelas quais
omundopassa esbarranopior tipo
decombinação:oconservadorismo
eaburricedenossosgovernantes.
Deum lado, oministroda(faltade)
Cidadania, OsmarTerra, insistenu-
ma epidemiadedrogasinexistente
eacusao“lobbymaconheiro” para
melararegularizaçãodouso medi-
cinal da maconha.Dooutro, otitu-

lar daSaúde se posicionoucontrao
plantio mesmo paraasnecessidades
terapêuticas, porque “seria uma dro-
gaamais paralutar.”
Cercade 35 paísesjáderam um
passoàfrente.Écuriosoqueeste
governo,que adoraseespelhar nas
sociedades americanaeisraelense,
ignoresuas políticas sobreoassun-
to.Nos EUA, em maisde 30 estados,
remédio de maconhaélegal. Cerca
de uma dezenaliberougeral.
Israel pesquisaamaconha des-
de os anos 1960 .Nadécada seguin-
te,aprovououso mediante receita.
Em janeiro, novasleis abriramca-
minho paraaexportação do produ-
to,e,maisrecentemente,ousore-
creativofoi flexibilizado. Há apos-
tasdequeomercado daerva váser
apróxima “grande indústria”nopa-
ís, que játemmais decemstartups,
alémdoclimaconsiderado perfeito
paraaplantação.
Eagenteaqui, narabetadahis-
tória, juntinhocomospaíses mais
atrasados, na mão degentetosca,
vendoobonde civilizatório passar.

Fake news na NBA


Opreçoda antipolítica


Aburriceeoatraso



  • UiráMachado


  • BrunoBoghossian




  • Mariliz PereiraJorge




ALavaJatonaufragasobope-
so deatitudesdeprocurado-
resjusticeiros, de um juizvai-
dosoepoliticamentecompro-
metidoedeumex-procurador-
geraldestemperado —todos
dispostosacolocar suas pai-
xões einteresses acima do de-
vido processo legal. Caberáao
ConselhoNacional do Ministé-
rioPúblicoeaoSupremoTri-
bunalFederalresgataraope-
raçãodas águasturvas.
Atélá, permanecerá no mí-
nimo duvidosooseu potenci-
al derobustecer ocontrole da
corrupçãopolítica.ALavaJato
poderá serapenasomaisvisto-
so dos espetáculos dogênero
que se sucederam desdeare-
democratização,com limitadas
consequências para ofortale-
cimentodamoralidade públi-
ca.Comoforamoescândalo da
Ferrovia Norte-Sul,nogoverno
Sarney;arevelaçãodo esque-
ma dePCFarias queresultou
narenúncia dopresidenteCol-
lor;aarmação dos“anões do
Orçamento”,em 1993 ;atenta-
tivadebeneficiarogrupo Op-
portunitynaprivatização das
teles,acompradevotos para
aaprovação da emenda dare-
eleiçãoeo“mensalãominei-
ro”, todos nogovernoFernan-
do Henrique;ocasoBancoop,
oescândalo dos bingos,omen-
salãoeocaso dosdossiêsfal-
sos nogoverno Lula.
Em artigopublicado narevis-
ta Dedalus, em 2018 ,ocientista
políticoMatthewTaylor,pro-
fessordaAmericanUniversity,
emWashington, sustentou que
esforçosbem-sucedidos para
reduziracorrupçãopolítica
são sempreprocessos de lon-
goprazoantecedidos por fra-
cassos.Oêxitopode virtanto
de iniciativas destinadasatal,
como ser umresultadoimpre-
vistodemedidascomoutras fi-
nalidades.
Detodo modo,segundoTay-
lor,surtos de iniciativas anti-
corrupção sóteriam efeitos du-
radouros se acompanhados de
inovações institucionais para
aumentaratransparência dos
órgãos públicos,acapacida-
de de monitoramentodesu-
as ações poroutrasagências
públicas ou privadaseaapli-
caçãodesançõesacorruptos
ecorruptores.
Ainda queaimpunidadenão
prevaleça,avitóriasobre ala-
droagem políticanuncaécom-
pleta.Acorrupçãofazpartedas
sociedades humanas, quais-
quer que sejam seusregimes
degoverno.Nas democracias,
érecurso para ganhar eleições
emanter os vitoriosos no po-
der.Detoda maneira, mesmo
na hipótese deque essa não
sejaaintenção deliberadade
seusperpetradores,degrada o
sistemademocráticoeodes-
gastaaos olhos da população.
Adespeitodetudo,aLavaJa-
to teria um legado positivose
suscitasseadiscussãoserena
sobreadimensão institucional
docontroledacorrupção po-
lítica. Mas provavelmenteseu
desfecho melancólicosóser-
viráparaalimentarodesalen-
to eocinismodos brasileiros.
[email protected]

ALavaJato


fazágua



  • Maria HermíniaTavares
    Professoraaposentada da uSP
    epesquisadoradoCebrap.
    escreve às quintas


Benett

Crise no Peru mostraosriscos do embatepolítico


extremado,que testaoslimites da legalidade

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