Folha de São Paulo - 03.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee


cotidiano


Quinta-Feira,3DeOutubrODe 2019 B5

Alunaéesfaqueada


dentro de escola na


GrandeSãoPaulo


SãoPauloUma adolescen-
te de 17 anosfoi esfaque-
ada, natardedestaquar-
ta-feira( 2 ), por umcolega
dentrodeuma escola par-
ticularnaGrandeSãoPau-
lo.Ocaso ocorreu nocolé-
gio Ábaco,emSãoBernar-
do do Campo,onde osdois
estudam.
APolíciaMilitarfoi acio-
nadaparaatenderaocor-
rência.Oagressor, umado-
lescentetambém de 17 anos,
foilevado para a 3 ªDelega-
cia de Polícia, na cidade,
ondeocasofoi registrado
eseráinvestigado.Ajovem
foi socorrida aoPronto-So-
corroAssunção,nomesmo
bairrodocolégio.
Aescola suspendeuasau-
lasnesta quartae,durante a
tarde, aperícia da Polícia Ci-
vil estevenolocal.Acondi-
çãodesaúdeda jovemnão
foiinformada. AFolhaen-
trou emcontatocomaesco-
la, masatéaconclusão desta
edição,ocolégio Ábaconão
haviarespondido.
Ocolégiotemduas uni-
dades na cidade.Aagressão
ocorreu na que estudam alu-
nos do quintoaonono ano,
alémdoensino médio.
Há menos de um mês, ou-
trocaso de esfaqueamento
foiregistradoemuma es-
cola da GrandeSãoPaulo.
Um estudantede 14 anos
esfaqueou um professor e,
na sequência, desferiucon-
trasiumafacada nas de-
pendências do CEU (Cen-
troEducacional Unificado)
Aricanduva, nazona leste
dacapital paulista.

Crianças nãopodem ser consideradas psicopatas



  • PhillippeWatanabe


SãoPauloCriançaseadoles-
centes podem ser diagnostica-
dascomo psicopatas? Segun-
do especialistas ouvidospela
Folha, não.Nessafase,omais
corretoéfalar em transtorno
de conduta, que ainda pode ser
atenuadoeaté desaparecer.
Ascaracterísticasda psico-
patiaedotranstorno decon-
duta, porém,sãoas mesmas:
insensibilidade, manipulação,
ausência deremorsoeempa-
tia, sedução,comportamento
violento, agressividade,ten-
dênciaaresponsabilizar os ou-
tros,comportamento antisso-
cial,tendência aotédio,men-
tiraseindividualismo.Ostra-
çossãoconstantesepercep-
tíveis por quem vivepróximo.
Hilda Morana,especialista
em psicopatiaepsiquiatrafo-
rense pelaUSP,afirma ainda
queénormalquecriançascom
otranstorno sejamatraídas
pelo perigo, ajam de manei-
ra cruelcomanimais,tenham
crises de birraematem aulas.
“O que divideanormalidade
de anormalidadeéafrequên-
ciaeintensidadedessascarac-
terísticas.Todostemosum
pouquinho delas.Oproblema
équando issocomeça aser o
fiocondutor do funcionamen-
to da pessoa”, afirma Antonio
dePádua Serafim,coordena-
dor do núcleo forense do IPq-
USP (Instituto de Psiquiatria).
Sem umaavaliação ouore-
lato de pessoas próximas,édi-
fícil, senão impossível, atribu-
ir tais características aogaro-
to de 12 anos que, segundo a
polícia,confessoutermatado
uma menina de nove anos no


domingo( 29 ). Antes do cri-
me,ogarotoafirma que es-
tava brincandocomagarota.
Também se develevarem
contaqueapercepção de frie-
za relatada pelospoliciais que
participaramdainvestigação
nãonecessariamentepode ser
traduzidacomo partedaper-
sonalidadedogaroto.
DeacordocomSerafim, po-
de haverumprejuízodoen-
tendimentodaaçãocometi-
da.“Àsvezeslidamoscomin-
divíduos muitolimitados do
pontodevistapedagógicoe
cultural paracompreender a
gravidade de seucomporta-
mento. Easpessoas enten-
dem issocomo frieza”, diz.
Mas, se defatoogarotoa
agrediu brutalmente, Serafim
diz queahipótesedeumqua-
drodetranstorno deconduta
pode serconsiderada.Odiag-
nósticopreciso envolvepsiqui-
atrasepsicólogos especializa-
dos naárea etesteseentrevis-
tascom paisefamiliares.

Serafim lembraqueaagres-
sividadeépartedanatureza
humana.Osinal amarelo de-
ve ser acesoquando elaéusa-
da em açõesviolentas,como
maus tratos acolegas.
Aescolaéuma grande alia-
da na detecçãodoproblema.
“Como ascaracterísticas
do transtornoconfrontamas
normas,osafetadostêmmui-
ta dificuldade de se adaptar
às regrasevão sempretentar
manipulá-lasecorrompê-las”,
afirma Serafim.
Conforme oscomportamen-
tosforadopadrão são percebi-
dos,osfamiliares devempro-
curar psicólogosepsiquiatras
especializados paraconseguir
umdiagnósticocorreto,trata-
mento eorientação sobreco-
mo lidarcomojovem.
Morana afirma quecastigos
nãotêmefeitosobrequem
temotranstorno.Medica-
ções que inibemaexcitabi-
li dade mas não curamopro-
blema podem ser indicadas.
Os traços psicopáticos es-
tãopresentes entre 1 %e 3 %
da população.
Em adultos, estudostêm
apontadoalteraçõescerebrais
anatômicas em pessoas diag-
nosticadascomo psicopatas.
Uma delaséabaixaativação
dasamígdalas,região docére-
broassociadacomexperiênci-
as de medoememória afetiva.
Aoutraéumlobo frontalre-
duzido,oque podeestar asso-
ciadoacomportamentosim-
pulsivoseirresponsabilidade.
Graçasàmaturaçãocere-
bral, um jovemcom transtor-
no deconduta não necessari-
amentesetornaráumpsico-
pata no futuro.


  • ThaizaPauluze


SãoPauloNinguémpodia
imaginarodesfecho trágico
dafestabeneficenteFazer o
Bemnodomingo( 29 ),nobair-
ro periféricoMorroDoce, na
zona nortedeSãoPaulo.Há
oitoanos,voluntários orga-
nizameventoparadistribuir
doces,cortes decabelo,ma-
quiagemetratamentodentá-
rio para mais de mil crianças.
Naquele dia, RaíssaEloá
Capareli Dadona, 9 ,chegaria
comamãe,oirmão de cinco
anoseonovoamigo, umga-
roto de 12 anos que haviase
mudadopoucassemanas an-
tesparaumacasa acercade
cemmetrosda sua.
Os dois não se desgrudaram.
Comeram algodão doceees-
tavamnafila do pula-pula.
Elepegou uma ficha para
cortarocabelo,mas não ficou
atéchegar suavez. Foiotem-
po em queamãe de Raíssare-
cebeu uma oraçãoecolocou o
nomenuma listaparareceber
cestas básicas,foipegar pipo-
ca eameninasumiu de vista.
Raíssaeomeninodeixa-
ramolocal, próximo ao CEU
(CentrodeEducação Unifica-
da) Anhangueraeandaram
cercade 3 , 5 kmatéoparque
Anhanguera. Imagens de uma
câmera de segurançamostra-
ramosdois de mãos dadasna
estrada de Perus.
Raíssafoiencontrada morta,
amarradapelo pescoçoauma
árvore,comorostomuito feri-
do.Omeninoconfessouocri-
meeestáinternado proviso-
riamentenaFundação Casa.
“Ninguém sabecomoeles
se aproximaramtãorápido”,
dizovizinho,opastorAgnal-
do Alves da Silva, 55 .Isso por-
queRaíssa,segundo ele, era
“bemretraída, tinha medo das
pessoas.Erabemarisca,por
issoamãeficavaotempoto-
docomela. Chegavaaser su-
perprotetora.”


Para vizinhos,Raíssa eradoceearisca, e


garoto tinha comportamentoexplosivo


Moradores de bairronazona norte de SP buscamrazãodecrime,cogitam cúmplice eveem bruxaria


Avida da menina eraentre
acasa,aescolaeaigreja. Ela
édescritapor pessoas próxi-
mascomo introspectiva, tími-
da,eaté inocenteparaaida-
de.Autista,recebia os cuida-
dos quase ininterruptos da
mãeenão brincavana rua.
Àsvezessaíaànoiteapenas
paraacompanharamãe, que
levavafolhetos paraevangeli-
zar moradores do bairro jun-
to comosfilhos.
Afamília moraali desde
2017 .Antes de ir praescola, ela
passavaodia nagaragemda
casa em frente, quefora trans-
formadaembarbearia porPa-

blo Klebson, 36 .“Tio,tio,tio,
tô indo estudar”, anunciava a
menina antes de se embrenhar
comTininha,acachorrinha
minúscula querodeiaolugar.
Raíssaestudava numa escola
regular pelamanhãepassava
as tardes no NúcleodeApoio
àInclusão Social para Pessoas
comDeficiência, daprefeitura.
Fechada, “ela só interagia
comquem se sentiaconfian-
te,aíria, brincava. Se ela não
conhecia, nãointeragia”, con-
taKlebson,queganhouape-
quena. “Ela merodava naca-
deira.Etrouxeumarosa de
plásticopra Tininha, que eu

guardei ali.Àsvezesouvia ela
cantando louvor lá de dentro.”
Segundoopastor,afamília
émuitopobreerecebiaaju-
da deparentesparapagar o
aluguelebancar asdespe-
sas.Nafestabeneficente, a
mãe de Raíssa chegouape-
dircomidaaosvoluntários,
aos quais disse que estavam
passandofome.Foiquando
entrou na listaparareceber
ascestasbásicas.
Domenino,Klebson se lem-
bradeter oferecido umcorte
decabelo,jáqueafamíliaapa-
rentementenão tinhacondi-
ções financeiras. Elechegara

na rua havia poucas semanas e
viviacomamãe,duasirmãs e
opadrasto.Nopouco contato
que deve,obarbeiroodefine
como “uma criançanormal”.
Quem dividiamurocom o
garotoeraaestudanteYas-
mim Carvalho, 14 .Ela conta
queele não brincavamuito
comosvizinhos, porque das
vezesemque ficou na ruacom
os outros,foi agressivo.
“Ele seirritavafácil,explo-
dia, sabe? Entãoagente não
eramuitopróximo.”Mas ela
”jamais imaginaria”que ele
pudessefazeralgodotipo.
“Como um menino de 12
anos pode mataruma de no-
ve?”,seperguntamYasmin e
outrosvizinhos,céticos so-
breacapacidade dogarotode
executar uma açãotãobrutal.
ObarbeiroRafael Mota, 29 ,
organizador dafestabene-
ficente, afirma queogaroto
“erarevoltado”.Certavez,te-
ria partido paracima de outra
meninacomumacaneta, na
tentativadefurar-lheoolho.
Mas não acertou, segundo seu
relato.Também eraarredio na
escolaechegouafazer amea-
çasdemorteà“tia da perua”.
Os moradores especulam
queogarototalvez nãote-
nha agido sozinho.Ele não
teriaaforça ouamaldade pa-
ra matardaquele jeito, dedu-
zem, mesmo lembrando da
agressividade demonstrada
comoscolegas.
Motaapostaembruxaria,
pelaformacomoamenina
foiencontrada.Aimagem do
corpoferidoeamarradocir-
cula pelo WhatsApp dos mo-
radores.Ela não chegouaser
suspensa pelacorda, ou seja,
seus pés encostavam no chão.
Raíssavestiaumconjuntinho
rosa eestavadescalça.
“Tiraramoolho.Deforma-
ramsóorosto.Nãotemou-
traexplicação”,diz Mota.“A l-
guém agiu de má-féeusou
ele por saber dessecompor-
tamento”,supõeobarbeiro.
Apolícia ainda não sabe o
que motivouocrimeeprocu-
ra descobrir se há outros en-
volvidos.Ogarotochegoua
citar trêsversões em seus de-
poimentos.Naprimeira, disse
que apenas havia encontrado
ocorpo.Emoutra, queumho-
memdebicicletateria mata-
doamenina.Depois,confes-
sou que haviacometidoocri-
me, sozinho.

Garotoque afirmatermatadoamenina Raíssa deixa delegacia após depor Reprodução/TV Globo

Raíssa Eloá Capareli Dadona, 9,eomenino queconfessou
sua morte,nafestanodomingo(29) Reprodução/TV Globo


Ela [Raíssa]só
interagiacomquem
se sentiaconfiante,
aí ria,brincava.Se
não, nãointeragia
[...] Elamerodava
nacadeira.Àsvezes
ouviaelacantando
louvorládedentro

PabloKlebson
vizi nho deraíssaDadona


Como as
características do
transtorno[de
conduta]confrontam
as normas, os
afetadostêmmuita
dificuldade de se
adaptar àsregras

Antonio de Pádua Serafim
coordenadordo núcleo
forense do iPq-uSP
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