Folha de São Paulo - 03.10.2019

(C. Jardin) #1

B6 Quinta-Feira, 3DeOutubrODe2 (^019) aeee
ambiente
cotidiano



  • RubensValente


BRASÍLIADois mesesdepoisde
fazercríticas aos dadoscole-
tados pelo Inpe (InstitutoNa-
cional de Pesquisas Espaciais)
sobreaAmazônia,oministro
RicardoSalles (MeioAmbien-
te)usou números do instituto
paraelogiarsuagestão.
Nestaquarta( 2 ), Sallesco-
memorouomenor número
de queimadasnopaísparao
mês de setembrodesde 2013 .A
fontedos dadoséoInpe, con-
forme creditado pelositePo-
der 360 ,usado pelo ministro
em sua publicação.
Oministropublicou emre-
de social: “Menornúmerode
queimadas paraomês de se-
tembrodesde 2013 ”,juntocom
gráficodoPoder 360 .Emse-
tembrodesteano,houve 19 , 9
milfocos. Em 2013 ,nomesmo
mês,foram 16 , 7 mil.
Orecortedesetembrofei-
to porSalles,porém, descon-
sideraoacumulado nos nove
primeiros meses do ano.Con-
siderandoohistóricodos úl-
timos dez anos, 2019 éoter-
ceiropior ano no período de
janeiroasetembro, segundo
os dados do Inpe.
Com 66 , 7 milfocos de incên-
dios,operíodosóficouabai-
xode 2010 ( 102 milregistros)
ede 2017 ( 70 , 8 mil).Nacom-
paraçãocomoano passado,
quandoforamregistrados
46 , 9 milfocosnomesmo pe-
ríodo,oano de 2019 teve um
aumentode 42 %até agora.
OInpefoicriticado por di-
ferentes membros dogover-
noBolsonaro. Em julho,Salles
disse que os númerosdoInpe
sobredesmatamentonãore-
fletiamarealidadee,emagos-
to,afirmou queogovernocon-
trataria um novosistema de
monitoramentopor satélite.
OpresidenteJairBolsona-
ro chegouadizer queoentão
diretor do Inpe, Ricardo Gal-
vão, agia“a serviçodealguma
ONG”,oque culminou na des-
tituiçãode Galvãodocargo.
Já oministrodasRelações
Exteriores, ErnestoAraújo,
disse em umareuniãofecha-
dacominvestidoreseempre-
sáriosemWashington, em se-
tembro, queossatélitesdo
Inpe nãoconseguiam distin-
guir “grandes incêndios” de
“fogueiras de acampamento”.
Dois fatorespodemtercon-
tribuído paraaredução de
queimadas em setembro: uma
operaçãofederal derepressão
aos incêndios na Amazônia
eodecretopresidencial de
29 de agostoque criou uma
moratória de queimadas por
doismeses.Ambosocorre-
ramdepois da grandereper-
cussão internacionalsobreas
queimadas na Amazônia.
AOperaçãoVerde Brasil,
desencadeada pelogoverno
comapoio dasForças Arma-
das,começouem 23 de agos-
to,umdia depoisdeopresi-
dentedaFrança, Emmanuel
Macron,terpublicado: “Nos-
sa casa estápegandofogo.Li-
teralmente.Aflorestaamazô-
nica—os pulmõesque produ-
zem 20 %dooxigênio donos-
so planeta— está em chamas”.
Bolsonarodesqualificou a
denúncia, masconvocouuma
reunião de emergência noPa-
láciodoPlanalto, que decidiu
dar inícioàOperaçãoVerde
Brasil. Já amoratóriafoide-
cretadaem 29 de agosto.
Em agosto, foramregistra-
dos 30 , 9 milfocosnopaís.Em
setembro, 19 , 9 mil.
Aqueda, porém, nãofoiuni-
forme noterritório nacional.
“Amoratória dofogoébem
efetiva.No cerradoenoPan-
tanal, que acabaramficando
fora da moratória,ofogoau-
mentou”,disseoengenheiro
florestalTassoAzevedo, ex-
diretor do ServiçoFlorestal
Brasileiroecoordenador do
MapBiomas (ProjetodeMa-
peamentoAnual da Cober-
tura eUso do Solo no Brasil).

Salles comemora


dados do Inpe


sobre redução


de queimadas


Números
do fogo

19,9mil
focosde
incêndio
foram
registrados
emse tembro
no país. É
omenor
númeropara
omês desde
2013,quando
contados
16,7 mil

30,9mil
foionúmero
registrado
emagosto

66,7mil
focosde
incêndio
foram
registrados
no período
de janeiro
asetembro
desteano.
Éoterceiro
pior para
omesmo
período
nos últimos
dez anos,
perdendo
apenaspara
2010 ,com
102mil
registros, e
2017 ,com
70, 8mil

Fonte: Programa
Queimadas, do
inpe (instituto
nacional de
Pesquisas
espaciais)


  • WálterNunes


CuRItIBANasegundaquinze-
na de setembrode 2017 ,opro-
fessor universitário Mikhail
VieiradeLorenzi Cancellier,
entãocom 30 anos, chegou
ao apartamentodopai levan-
do suatese sobreodireitoà
privacidade, que ele havia de-
fendido no ano anterior ao se
tornar doutor em direitope-
la UFSC (UniversidadeFede-
raldeSantaCatarina).
LuizCarlos Cancellier de
Olivoestavacomtempo li-
vrepararelerotrabalho.No
dia 14 daquele mês, havia sido
presoeafastado docargode
reitor da UFSC,acusado pela
PolíciaFederal de obstruira
investigaçãoqueteriadesco-
bertoumesquema milionário
de desvio deverbas da univer-
sidade. Soltonodia seguinte,
elesetrancou emcasa eevi-
tava oassédio da imprensa.
Nestaquarta-feira( 2 )com-
pletaram-sedois anos da mor-
te de Cancellier,que seatirou
do último andar de um shop-
pingde Florianópolis.Nobol-
so,trazia um bilhete: “Minha
mortefoi decretada quando
fui banidodauniversidade”.
Mikhail,ofilho,faloupela
primeira vezsobre ocaso em
entrevistaàFolha,noescritó-
rio do seu advogado,Edward
Carvalho,emCuritiba. Elediz
queteme ser preso pela Ope-
raçãoOuvidos Moucos,ames-
ma queteve oseu paicomo al-
vo.Nodia 21 de junho,Mikhail
foidenunciadopelo procura-
dor daRepúblicaAndréSte-
fani Bertuol,sob acusação de
desvio de dinheiropúblico.
“Quandoturecebe um indi-
ciamentoe,sobretudo,uma
denúncia,por maior queseja
aevidência da inocência dian-
te disso,vocêsempretem me-
do do que pode acontecer”, diz
Mikhail. “Bom, eu sou inocen-
te,né? Maséumjulgamento,
todo processo,queeventual-
mente temuma metodologia
queédiferente.Entãoédifí-
cil não sentir medo.”
Mikhailfoi denunciado por
causade três depósitosban-
cáriosfeitos em suacontaem
2013 eque somam poucomais
de R$ 7. 000 .Odinheiroveio de
GilbertoMoritz, professor da
UFSC,amigodeCancellier.Na
ocasião,ofilho doreitor tinha
25 anos,estudava emSãoPau-
lo eviviacommesada.
Aacusaçãodiz que aquele
dinheirotinhaorigem em um
esquema que desviava verbas
de bolsa de estudo.Moritze
Cancellierteriamsimulado
aparticipação ematividades
acadêmicas,eMikhail seria
beneficiário da fraude.
Elediz que só soube dosre-


passesdeMoritzemmarço de
2018 ,quandofoichamadoa
depor pelo delegadoNelson
Napp,responsávelpela Ou-
vidos Moucos. Questionado
sobreastransações, Mikha-
il não soubeexplicar.
“Eu tinha incapacidadever-
dadeiradeexplicarodepósito.
Meu pai me ajudava financei-
ramente”,disse. “Se meupai
falasse:hojevaiser deposita-
do R$ 1. 600 ,eunão iaatrásde
saber,aprincípio, se foifeito
ou nãofoifeitoexatamente
por aquelaconta”,disse. “Es-
tava dentrodopadrão do que
eurecebia na época.”
Um anoedois meses após o
relatório policial, sem nenhu-
ma nova prova, aProcurado-
ria endossou os argumentos
dos policiais edenunciou Mo-
ritzeMikhail por desvio de di-
nheiropúblico.
Em agosto,apósadenún-
cia,adefesa de GilbertoMo-
ritzprotocolousua justifica-
tivaparaosrepasses.Ama-
nifestação diz que“atrans-
ferência bancáriarealizada
no pequenovalor se deveua
um pedido de empréstimo do
Prof.Luiz Carlos Cancellier de
Olivo,queprovia seufilho na-
quela épocaemque eraestu-
dante”.Odocumento não diz
se oempréstimofoipagopor
Cancellier.
Adefesatambémrebateuas
acusações de que Moritzteria
simuladoaparticipação em
curso da universidade.“Nes-
sa épocainclusiveelaborou
apostilaemateriais paraocur-
so,ministrou aulasefoi avali-
adopelos alunos”.Mikhail diz
que esperaqueadenúncia se-
ja rejeitada pela 1 ªVaraFede-
raldeSantaCatarina.
CaberáàjuízafederalJanaí-
na Cassol Machadodecidir se
Mikhail,Moritzeoutros 11 de-
nunciadossetornarãoréus.

FoiCassol quemdeterminou
aprisão deCancellier, em 14
de setembrode 2017.
Apósadecisão,amagistrada
saiu de licença. Sua substitu-
ta,Marjoriê Freiberger, ao as-
sumirocasonodia seguinte,
mandou soltartodos os pre-
sos, mas os manteveafasta-
dos da universidade.
Adelegadaque pediuapri-
são de Cancellier,em 2017 ,foi
Erika Mialik Marena, queaté
um ano antesintegravaache-
fia da Operação Lava Jato,em
Curitiba.Foiela que batizou a
operação maisfamosa do país.
Após prenderoreitor,ade-
legadaconvocouaimprensa
parauma entrevistacoletiva.
Nasredes sociaisdaPolíciaFe-
deralfoidivulgado queosu-
postoesquemacriminosote-
ria desviadoR$ 80 milhões,o
que depoisfoidesmentidope-
la própria instituição.Aquele
eraorepassetotaldas verbas
paraoprograma deeducação
àdistância.
Ainvestigaçãocompreen-
deuoperíodo de 2008 a 2017 ,
mas Cancellier,que assumiu a
reitoria em maio de 2016 ,foi
oúnicoreitor acusado.Seus
antecessores AlvaroToubes
Prata ( 2008 a 2012 )eRosela-
neNeckel ( 2012 a 2016 )não
são alvosda operação.
AOuvidos Moucos investi-
gouirregularidadesempa-
gamentosecusteio de bolsas
de estudoeaté na locação de
automóveis por professores
epessoasligadasàuniversi-
dade. Segundo os investiga-
dores, funcionários daUFSC
formaramumaorganização
que desviavaessesrecursos
edividiaodinheiro.
Mikhaildisse queotrauma
da mortedopai lhecausou
problemas psicológicos. “Eu
recentementefui diagnostica-
docomdepressãoreativa. Es-
toupassando por tratamen-
to,tomando antidepressivoe
ansiolítico.”
Ele diz nãoterdúvidaso-
breomotivodoato cometi-
do por Cancellier.“Omeu pai
vivia pela vida públicadele.
Ele negligenciavaemdiversos
aspectosavidapessoal. En-
tão, eu acho que duascoisas
ele não suportaria: se tiras-
semauniversidade dele ou
se algumacoisaaconteces-
secomigo. Euma dasduas
coisas aconteceu”,diz ofilho.
Mikhailtambémjulgaque a
mortedopai serviu parajogar
luz no processo,que elecon-
sideraviolentoeinjusto. “Foi
tudo muitoviolento. Aprisão
foiviolenta,foiummês de
muitaviolência. Ele buscou
uma morteviolentatambém.
Eleresponde violentamentea
umaviolência queele sofreu.”

Há dois anos, chefedauFSC Luiz Carlos Cancellier se matou após ser preso


Mikhail Cancellier,filho doreitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se suicidou após prisão Bruno Covello/Folhapress



Omeupaivivia
pelavida pública
dele.Então,euacho
queduascoisas
elenãosuportaria:
se tirassem a
universidadedele
ou sealgumacoisa
acontecessecomigo.
Eumadasduas
coisasaconteceu

mikhail Cancellier
professor da uFSCefilho de
Luiz Carlos Cancellier de Olivo

$
Entenda o
caso da UFSC

oque éaouvidosmoucos
Uma operação da Polícia
Federal que investigava
desvios de verba nas
bolsas de estudo do
programa de educação
àdistância da UFSC,
concedidas pelaCapes
(dogovernofederal)

14.set.17 Operação
prende seis professores
eoreitor ,Luiz Carlos
Cancellier de Olivo,por
supostamentetentar
atrapalhar investigação
da corregedoria da UFSC
(ele não erasuspeito
de corrupção).Quem
pediu as prisõesfoia
delegada ErikaMarena,ex-
coordenadoradaLavaJato

15.set.17Juíza determina
asolturados acusados,
mas mantém decisão
que os proibia de
frequentaraUFSC

2.out.17 Cancellier se
jogado7ºandar de um
shopping de Florianópolis;
“minhamortefoi
decretada quando fui
banido da universidade!!!”,
diziaobilheteencontrado
em seu bolso

nov.17Comarepercussão
da morte,éaberta uma
investigação interna na
PF paraapuraraconduta
dos policiaisnocaso,
sobretudoadeErika
Marena.Asindicância
concluiu que não houve
irregularidades

dez.17 ErikaMarena é
transferida aocomando
da Superintendência da
PF de Sergipe, mas sua
promoção sóéefetivada
emfev.18, por causa das
dúvidas sobresua conduta
na Ouvidos Moucos

25.abr.18 PolíciaFederal
enviarelatório final
da operaçãoàJustiça
Federal, indiciando 23
pessoas. Entreelas
estáMikhail Cancellier,
filho doex-reitor.

21.jun.19Procurador
AndréBertuol, do
MPF,denuncia Mikhail
Cancelliereoutras 12
pessoas ligadasàUFSC,
listando supostos crimes
como peculato, inserção de
dadosfalsos em sistemas
de informaçõeseviolação
de sigilo funcional.

Morte violentafoiresposta a


prisão, afirmafilho de reitor

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