Folha de São Paulo - 03.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee Quinta-Feira, 3DeOutubrODe2019 B7


saúde


CANNABISMEDICINAL
ENTREVISTA
WILLIAMDIB



  • Natália Cancian


BRASÍLIAAlvodecríticas do
governoBolsonaroporde-
fenderoavalaoplantiode
Cannabismedicinalporem-
presas,odiretor-presidente
da Anvisa (AgênciaNacional
de VigilânciaSanitária), Wil-
liam Dib,diz que nãovaide-
sistirda proposta.
Ele diz queestáotimista
sobreaaprovação da medi-
da, mas admiteresistências.
Adiscussão estámarcada
paraapróximaterça-feira
( 8 ). Seapropostaforapro-
vada,aprevisãoéque os pri-
meiros medicamentos levem
ao menos um ano parache-
garaomercado.
Em entrevistaàFolha,Dib
rebateucríticas dogoverno e
dissequealiberação desses
produtosterá baixoriscosa-
nitário.“Opiorquevaiacon-
teceréele ser inócuo.”



  • Osenhorestá perto de apre-
    sentaraproposta final so-
    breCannabismedicinal.Ha-
    verá mudanças? Amudan-
    çaémuitopequena.Éalgo


maisredacional, muitosutil.
Quem lerpodeatéachar que
éamesma.Nãotem mudan-
ça conceitualnem abertura
maior do que se propôs.

Haviavários pontosdere-
clamação do setor, como o
cultivo em locaisfechados, o
quefoivistocomorestritivo
por empresas.Devemudar
algum desses pontos?Ne-
nhum.Nãovamosdiminu-
ir arestrição nemaumentar.

Issosignifica que mesmocom
apressão dogoverno, ose-
nhorentão mantémapro-
posta original?Nãoconhe-
çopressão dogoverno[ri].
Masvamos publicarapauta
da próximareuniãoetedigo:
aCannabisestálá.

Hápossibilidadede nãoser
aprovada? Muito se fala na
chancedeodiretor Antô-
nioBarrapedir vistas, já que
elefoiindicado pelogover-
no.Ele ainda nãofalou nada.
Enãofoipor faltadechances
de saberoque estáescrito.

Ogovernotemsemanifesta-
do emdeclaraçõescontra ali-
beração do plantio.Chegou a
sofrer uma pressão direta pa-
ra retiraraproposta?[Faz

silêncio,masconfirmacom
acabeça.]Essascoisas para
mim são normais.Temgen-
te quenão admiteojogode-
mocrático. Achoquefazparte
do processo.Vai parecerque
estoucriticandoogoverno,
mas não estou.Nãofaz par-
teda minhaculturadiscu-
tiroque nãoémeu dever. Só
posso discutirmedicamento
àbase deCannabis.Foraisso,
nãoémeu papel.

Aque osenhoratribui osata-
quesdogovernoàproposta?
Acreditoque não leramapro-
postanem sededicarama
entender.Hojeexistemvári-
as entidadeseorganizações
comautorização judicial.Cen-
tenas de pessoas físicastam-
bémtêm essa autorização pa-
ra plantio.Comoagentepode
convivercomoJudiciário au-
torizando esses plantioseis-
so ser pior do queagentere-
gulamentar,fazer um plantio
seguro, indoor,sem riscode
disseminação dessa plantae
de usorecreativo?

Se aprovada,aproposta pode
terimpacto nas ações judici-
ais queexistem hoje?Com
certeza.Agrande partedas
açõescoloca uma autorização
atéaregulamentação do pro-

cesso.Quandoforregulamen-
tado,acreditoqueoJudiciá-
riovairever essas sentenças.

Masissonão levariaàinter-
rupção do tratamentopara
essas pessoas?Aí éumpro-
blema do SUS. Masapartir do
momentoemque está regu-
lamentado,oacesso ao me-
dicamentoégarantido pela
Constituição.

Seapropostaforaprovada,
em quantotempo esperaque
esses produtos estejam no
mercado?Nãosaberia di-
zer, mas não acreditoqueem
menos de um ano.Sãovárias
licenças e, depois aindatem
ocultivo, que dizemque leva
emtorno de seis meses.Não
saberiadizer setodas [as em-
presas] estão interessadas em
plantarequantasvãoquerer
trazer um produtoprontoou
oinsumo.

Há estimativadequantos pa-
cientes podem ser beneficia-
dos?Há umchutômetro[no
setor].Pelovolume de indica-
ções terapêuticasepela inci-
dência de patologiasnopaís,
dizem que alcançariaoíndice
de 13 milhõesdepessoas que
seriam passíveis[deusaros
medicamentos].

Quaisáreas médicas devem
ser mais beneficiadas?Acre-
ditoque as patologias neuro-
lógicas devemser as mais be-
neficiadas.

Há riscoàsaúde?Muitosefa-
la sobrecomprovação cientí-
fica, quenesse mundodate-
rapia deCannabisainda esta-
riaem ebulição.Qualotru-
quedisso?Équeoriscosa-
nitário paravocêaperfeiço-
ar esses estudosémuito bai-
xo.Estamosfalando de uma
substância que nãogeraris-
coàvida.Vocêtemumama-
téria-primaparapesquisar e
aevolução de alternativaste-
rapêuticas muito favoráveis.
Opior quevaiacontecer é
oprodutoser inócuo.Não es-
toudandoumremédio que,se
não fizer efeito, vocêmorre.
Estoudando uma alternativa
terapêuticacom segurançaci-
entíficaimportante.

Umavezque estudostêmpou-
co tempo de acompanhamen-
to epoucos pacientes, qual a
segurançadaAnvisa emre-
laçãoaesse baixo riscosani-
tário?Éuma drogaquetem
mais de 3. 000 anoseosefeitos
colaterais sãoextremamen-
te baixos. Eestamosfalando
do mundodo medicamento,
enão de droga, deconsumo
recreativo. Estoufalandodo
uso via oral.Oefeitodeleté-
rioépróximodezero.
Para testar um anticonvul-
sivante,temuma sériederes-
trições edeefeitoscolaterais.
Se você testaroefeitoanticon-
vulsivantedaCannabis,oefei-
to colateralébaixíssimo.Isso
nos dá segurançaparaavan-
çarempesquisaclínica.

Hojesefalamuitosobreo
aval ao plantioepoucodas
regras deregistrodos medi-
camentos,oque abreespaço
para quealgunsremédios se-
jamoferecidos antes daúlti-
mafase de estudos. Isso não
vainacontramãodoque de-
fendeaagência?Se manti-
véssemosomesmocritério
paratodos os produtos, ain-
da demoraríamos de dez a 20
anos paraofereceresse pro-
dutonomercado,sendoque
orisco sanitárioébaixíssimo.
Preferimos oferecer um pro-
dutocomestudos em anda-
mento, mascomevidências
clínicas importantes, do que
aguardar essacertezaabsolu-
taerestringir ao doenteuma
alternativaterapêuticaque às
vezeséaúnica que eletem.

Oavalaoplantioéagora éo
melhor caminho?Ele era
obrigatório na nossa opini-
ão.Docontrário,vamoster
em brevemilhares de auto-
rizações judiciais de plantio.
Essa autorização dá acesso às
pessoas? Dá.Masdácondi-
ções deelater tranquilidade
que estátomando um produ-
to comqualidade?Não. Esse
éopapel da Anvisa,etemos
queregulamentar.Queremos
dar segurançaparaodoen-
te receberumprodutobom.

Há um ano,osenhor disse em
entrevista àFolha,logoapós
assumirocargo,queapro-
posta sobreCannabismedici-
nal seriarestritaàpesquisa e
não incluiriaocultivo. Oque
levouaessa mudança? Na
época,oprojetoque estava
aqui praticamenteliberava
ocultivoindiscriminado por
qualquer um que tivesseuma
doença.Isso nunca foilevado
àdeliberaçãoporoposição de
vários diretores, inclusiveeu.
Erauma liberação da droga
viaAnvisa.

Hoje,oministroOsmarTer-
ra também acusaosenhor
de tentar liberaradroga por
meiodaagência...Ok,mas
então meexplicacomoes-
touliberando,porque não es-
tou. Aqui em Brasíliamesmo
temumquase alqueire plan-
tado.Eaípode? Por que ele
nãovainatelevisãoefalaque
ojuiz está querendodissemi-
naradroga?Por queéaAnvi-
sa que quer disseminarenão
oJudiciário?

Comogarantir que,apósare-
gulamentação,haja um uso
restritopor pacientes?Do
mesmo jeitoque fazemoscom
outros produtos da portaria
344 [sujeitosacontrole espe-
cial].Vaiter controle de pro-
dução,distribuição,receituá-
rio especialretido nafarmá-
ciaerastreabilidade.ACan-
nabisnãoestásendo libera-
lizada, “olha,você vainafar-
máciaecompra 10 kg”.Tem
queterreceitamédica, como
secompraumLexotan, por
exemplo.Nãoéumacoisa li-
beralistacomotememvários
paísescomloja quevendetu-
do deCannabis.Nãoéassim.

Empresa processa
UniãoeAnvisa para

plantar Cannabis


SãoPAuLoAempresa brasilei-
ra Schoenmaker Humako, per-
tencente ao grupoTerraViva,
entrou naJustiçacontraaUni-
ãoeaAnvisa (AgênciaNacio-
nal de VigilânciaSanitária)pe-
lo direitodepoder importar e
plantar sementes da Cannabis
parafins medicinais.
Emcomunicado,ogrupo
diz que “entrarcomaaçãoju-
dicialéaúnica forma de pro-
duzir legalmente essa cultura”.
Ogrupo diz ainda que nãotem
interesse em cultivaraplanta
parafinsrecreativos.
Aempresa, fundadapor ho-
landeses, produzevendecere-
ais, floreseplantas ornamen-
tais, legumesefrutas.
Há mais decemcanabinoi-
des, masoqueaempresa quer
cultivaréoconhecidocomo
cânhamo,que nãoépsicoati-
voporquetemcerca de 0 , 3 %
de THC, asubstância quecau-
sa osconhecidos efeitos.
Procurada,aAnvisa afirma
nãoter sidonotificadaatéo
momentodequalquer ação
movida pela empresa.

William Dib, 72
médico
cardiologista,
especialistaem
saúde públicae
administração
hospitalar,foi
prefeitodeSão
Bernardo do
Campo(SP), de
2003 a2008,
peloPSB(Par-
tido Socialista
Brasileiro);
diretor da
Anvisadesde
dezembro
de 2016,foi
nomeado dire-
tor-presidente
da agênciaem
21 de setembro
de 2018

Não mudaremos proposta de


plantio, diz diretor da Anvisa


William Dib admiteque foipressionadoaretiraraval ao cultivo da maconha medicinal


AndréCoelho/Folhapress
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