Folha de São Paulo - 03.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee


ilustrada


Quinta-Feira,3DeOutubrODe2 019 C3


  • RodrigoSalem


LosAngeLesEm umaerana
qual estúdios de cinema e
artistasfazemquestão dere-
verenciarcomunidadesde
fãs, Todd Phillips (“SeBeber,
NãoCase!”)toma outrocami-
nho aoexplicararazão deter
escolhido dirigir “Coringa”.
“Filmesde heróisestãoto-
mandocontadaindústriaeeu
estavaprocurandouma ma-
neiradefazer um longaque
não desaparecesse em pleno
ar”, dizodiretoraesterepór-
ter. “Paraser sincero, nãogos-
to de filmes de HQs. Mentiria
se falasse que nãofoiparacha-
maraatenção das pessoas.”
Odiretorconseguiu seu ob-
jetivo.Ofilme estreia nesta
quinta( 3 )como um dos mais
esperados do ano.Não apenas
portervencidooLeãodeOu-
rono prestigiosoFestivalde
Veneza, no mês passado, mas
por ser um drama pesadocom
classificação indicativapara
maiores de 16 anos no Brasil.
Nestanovaorigem paraovi-
lão doBatman, Arthur Fleck
(Joaquin Phoenix)éumaspi-
ranteacomediantequefazbi-
coscomo palhaçodealuguel
numaGotham Citydecaden-
te entre os anos 1970 e 1980.
Oroteiro mostraumperso-
nagemcomdistúrbiosmen-
tais quecometeumasériede
assassinatosapósvárias tra-
gédiasgeradas por criseseco-
nômicas, abusos na infância,
cortes no sistema de saúde e
incapacidadedeserelacionar.
“Não queria mostrarAr-
thurcaindo em umtonel
de ácidoeaparecendocom
apele branca.Oobjetivoé
entenderoporquê daquele
sujeitosemaquiarcomo um
palhaço”,explicaodiretor.
Atramafoirecebidacom
reaçõesextremas emVene-


za. Alguns críticos acusaram
“Coringa” de ser umaapolo-
gia do movimento“incel”,ter-
mo oriundo dos “celibatários
involuntários”,homensraivo-
sos que nãoconseguemsere-
lacionareculpamasocieda-
de e, principalmente, as mu-
lheres por suasinadequações.
“‘Coringa’ quer ser um filme
sobreovazio da nossa cultu-
ra.Emvez disso, éumexem-
plo primárioeperigoso dela”,
destacouaTime.AVanity Fa-
ir disse queolongapode ser
“um panfletoirresponsável”.
“Esperoqueofilmeseja
umexame”,afirmouPhillips
dias antes deofilme ser apre-
sentado emVeneza.“Conver-
samos frequentementesobre
apontadoiceberg, mas nun-
ca falamossobreascoisas que
nos levamparaaponta do ice-
berg, comoosistema em que o
personageméjogado no filme.”
Phillipseseu astro,Joaquin
Phoenix,evitaramfalar sobre
suasvisõessobreaorigem do
Coringa, que viraumsímbo-
lo dos oprimidos deGotham.
“Um jovemde 18 anos pode
vereacharqueéaorigem do
Coringa. Outrapessoa pode
dizer queéoespelho dasoci-
edade, sobrelutas de classes.”
Mascomaepidemia de ti-
roteios nos Estados Unidos,
muitos anteciparam “Corin-
ga”comoumveículo de justi-
ficativaparaaviolência.Tan-
to queaLandmark Theaters,
maiorcadeia de cinema in-
dependentedopaís, proibiu
fantasiasdurante aestreia do
filme.Em LosAngeleseNova
York,apolícia enviaráumefe-
tivomaior paraoscinemas.
Oolhar fixoemcima de “Co-
ringa”, no entanto,pareceinco-
modarodiretor.“Vi ‘John Wick’
há algumassemanasesão mos-
tradas bem mais mortes ali.”
“A violência no meu filme é

Públicoprecisa


sentir violência


em‘Coringa’,


afirma diretor


Filmepremiado noFestival deVeneza


foirecebidocomreações extremadas


echamado de ‘panfleto irresponsável’


mais visceral. Outros filmes
matam 40 mil pessoasenin-
guémnemseimporta, por-
que estáanestesiado.Aviolên-
cia que aconteceem‘Coringa’
éparaoespectador sentir.”

CrítiCa
Coringa
*****
eua/Canadá, 2019. Direção:
todd Phillips. Com: JoaquinPhoenix,
robertDeniroeZaziebeetz.
16 anos. estreia nesta quinta(3)


  • Inácio Araujo


Ohorror não estánohorror,re-
petiaJúlio Bressane nos anos
1970 ,noBrasil.Ohorrornão
estánohorror,pareceinsistir
Todd Phillips em seu “Corin-
ga”. Aliele nosfala da origem
docélebreinimigodoBatman.
Mais do que isso,porém,
édapassagem de psicóti-
coapsicopata de um jovem
que vivenaGothamCityde
1981 ,anode“UmTironaNoi-
te”, mastambém datomada
do poder porRonaldReagan.
Nãopor acaso,poucodepois
deofilmecomeçarsabemos
queoserviço socialondeojo-
vemArthur Flecktrata de seus
problemas mentaisteve aver-
bacortada.Vai-se assimate-
rapia e, junto, seusremédios.
Éentão que entraemcena
um elemento-chavedo fil-
me:atelevisão.Ali trabalha
ThomasWayne, um dos mes-
tres dotalk show.Aquele que,
de passagem, não hesitaem
humilhar os “freaks”, os desa-
justadoscomo Arthur.Aspi-
adas de Arthur nãofazemrir,
masfazemcom queriamdele.
Ok,eles não são os únicos
culpados.NemReagan.Nem
só adoençaquefazoCoringa
rir nos momentosinconveni-
entes. Hátambém uma cruel-
dade inerenteaohomem:gos-
tamos de rir dos outros. En-
tãooufazemos os outros ri-
remouosoutrosriem de nós.
Ocertoéque osfãsde
Batman nuncamais pode-
rãoolharoCoringacom
os mesmosolhos.Juntoda
imagemdoincompreensí-
vel, insuportável vilão de ou-
tros filmes,veremostambém
adeumjovem triste,tortura-
do,sem paiconhecido. Emsu-
ma,revoltado.Eéimpossível
nãocompreender suarevolta.
“Coringa” não seriaomes-
mo semJoaquinPhoenix.Seu
ArthurFleckpareceter se ins-
pirado no Antonin Artaud do
fim da vida,pós-hospício.Po-
de ser que não,mas quem qui-
serfazerumfilme sobreAr-
taud já sabe ondeencontrar
oator. Éumgênio,também.

JoaquinPhoenix emcenacomoopersonagem-título de ‘Coringa’ Divulgação

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