Folha de São Paulo - 02.10.2019

(Steven Felgate) #1

aeee


poder


A14 Quarta-Feira,2De OutubrODe2 019


entrevista
HugoLeonardo



  • FábioZanini


SãoPauloCriticada por in-
tegrantes do MinistérioPú-
blico, doJudiciárioedapolí-
cia,arecém-aprovada lei pa-
racoibiroabuso de autori-
daderecebe elogios doadvo-
gado criminalistaHugoLeo-
nardo, 38 ,novopresidentedo
IDDD (InstitutodeDefesa do
DireitodeDefesa).
Paraele,oargumentode
que elaéreaçãoàLavaJatoé
falso.“ALavaJatoocupa um
papel muitolimitado pertoda
grandeza queéamalha pe-
nal”,diz ele, citandoofatode
quealei seráuminstrumen-
to contraaviolênciapolicial
eabusosdeagentes estatais.
Pelospróximos três anos,
Leonardo estaráàfrenteda
instituição—criada há 20
anos por grandes nomes do
direitocomo Márcio Thomaz
Bastos,José Carlos DiaseAr-
naldo Malheiros Filho,para
garantiracessoàdefesade
qualidade no país. Hojecom
300 integrantes,oIDDDsetor-
nou influentegrupo de pres-
sãocontraoqueévistocomo
aculturapunitivistanopaís.
Leonardotambém diz que
oSupremo não deveouvir a
vozdaruas, defende um direi-
to penalrestritoeafirma que
opacoteanticrime do minis-
troSergio Moro(Justiça) tra-
rá ocaos penitenciário.



  • Qualsua avaliação da novalei
    sobreabuso de autoridade?
    Temos uma críticamuito
    grande sobreoaumentodos
    tipospenais. Masalei eraan-
    tiga, incipiente paraacom-
    plexidade do sistema deJus-
    tiçacriminal quetemos hoje
    eprecisava dereformulação.
    Alei aprovadaétecnica-
    menteadequada,comtipos
    penaisfechados, penas pro-
    porcionaiseatendeauma
    demandarecorrente.Nóste-
    mosmuitosabusos. Temos
    uma polícia muitasvezesvio-
    lenta, agentes estatais queco-
    metem abusos graves.


Há umaavaliação de que ela é
parte de um movimentocon-


Advogado vê nova leicomo adequada


paraconter abusos de autoridades


Presidente de institutodacategoria diz queStFnão deveouviravoz das ruas, sóaConstituição


traaLavaJato. ALavaJato
ocupa um papel muitolimi-
tado pertodagrandeza que é
amalha penal. Vivemos uma
épocadefetichismo do direi-
to penal. Essa espetaculariza-
çãodecrimeseoperações po-
liciais, discursosdegovernan-
tespor umrecrudescimento
penal irresponsável, tudo isso
insufla aspessoasadebater o
assuntodeformanãotécnica.
Hoje,odireitopenaléaprin-
cipalferramenta deexclusão
social no país. Só operaquan-
dootecido social já se esgar-
çou. Temos queterumdireito
penalreduzido,mínimo. Um
paíscom direitopenalmenor
éumpaíscommais civilidade.

Qual suaavaliação da Lava
Jato? ALavaJatoimprimiu
um trabalho muitoadequa-
do.Agiu deformacélere,des-
cobriu situações queoEsta-
do deveriacoibir.Mas,como
todo processocriminal,éna-
turalque hajacorreção de ru-
mo.Énatural tribunais ajusta-
remdecisões, anularem pro-
cessos. Uma boaJustiçanão
éaquecondena,éaque traz
decisõescomqualidade.

Quais serãoostemas pri-
oritáriosdasuagestão no
IDDD?Oprimeiroécontri-
buirmosparaqueoprocesso
penal no Brasil operedeforma
mais transparente.Para que
provas sejamcolhidas defor-
ma lícita, queapolícia traba-
lhe nos trilhos da legalidade.
Eosegundo,comunicaroque
significaaJustiçacriminal.
Ficarei satisfeito se daquia
três anosfizermos um diag-
nósticodeque as pessoas não
estão usandoodireitopenal
parainsuflaracisão social.

OIDDDécontra aprisão após
julgamentoemsegundains-
tância.Ocidadão acusado de
um crime,condenado por um
juizedepois por umcolegiado,
não estácomculpaestabeleci-
da? Por que não prendê-lo?O
IDDD defendeoqueestána
Constituição. Ouso da pri-
são no Brasiléabsolutamen-
te ilegaleinconstitucional. Vi-
vemos uma culturapunitivis-
ta,emqueaprisãoéaregra.
Os tribunais nãorespeitam
nem súmulas vinculantes.

Quem pagaumdia de prisão
indevidamente? Como sere-
paraummês, seis meses,um
ano de prisão injusta?

Umacríticacomum de pro-
curadoreséque advogados
preferem procurar nulida-
des processuaisadefender o
cliente no mérito. Elaéváli-
da?Aformaeficaz deresol-
veroproblemaénãocome-
tererros.Tratarumproces-
socomo se deveerespeitar
garantias individuais. Se isso
ocorrer,nenhum tribunalsu-
periorconseguirácolocarre-
paro. Nãoéproblemados ad-
vogados,édasautoridades
quetêmdecisõesreformadas.

Osr. vê os direitos fundamen-
tais sob ameaçanogoverno
Bolsonaro?Governos que
tendemadiscursos autoritári-
os atacamemprimeiro lugar
direitosegarantias individu-
ais, aquilo que dá estabilida-
de democráticaaumpaís, as
leisvigenteseaConstituição.
Quandotemosgovernantes
que entoam esse discurso,te-
mos umrecrudescimentono
debate parlamentaresocial.
Nãoésó aquilo que se imple-
mentadepolítica,éodiscur-
so queosgovernantes dão ao
guarda da esquina. Os núme-
rosdeviolência policial, prin-
cipalmentenoRio,são assus-
tadores.

Os advogados deveriam seco-
locar mais no debatepolíti-
co?Quandoaadvocacia cri-
minalcomeçaaoperar para
além dos seuscasos, preocu-
padacomodiscurso político
radicalizado,émau sinal. É
um sintoma de que asregras
do jogonãoestãosendores-
peitadas.Deumtempo para
cá,ecomosdiscursosdeal-
guns governantes, isso se acir-
rou. Issotemnos preocupado
sobremaneira.

Oque osr. acha docombate às
fake news? Comoevitar que is-
so gere censura?Sou defen-
sor da liberdade deexpressão
em absoluto. Me pareceque
asredes sociais impuseram
umavelocidade de difusão de
informaçãocomaqualoEs-
tado brasileironão estámui-
to preparadoparalidar.

Comoosr.viu ofatodeoSu-
premotercensuradoarevista
Crusoécomoargumentode
que havia divulgado notícias
falsas?Éumcasoque mos-
traque as instituições nãoes-
tãofuncionando muitobem.
Houveinvestigaçãorelativa-
mentesatisfatóriaarespei-
to dessesataquesaautorida-
des, ouaquaisquer pessoas?
Não. Masafalha dessas insti-
tuições não podegerarerros
de outras autoridades.

Logodepoisdosataquesao
Supremo emredes sociais,
um grupo de advogados ofe-
receuumjantar em apoio ao
ministroDiasToffoli.Nãoé
umcomportamentoque po-
degerarconflitodeinteres-
ses?Nãofoi umjantar em
homenagemaoToffoli, mas
em apoio ao Supremo. Hoje o
presidentedoSTFéominis-
troDiasToffoli, amanhã será
outro. Épapel do Supremo
tomar decisõescontramajo-
ritárias, que não são popula-
res. OSupremosódeveolhar
paraaConstituiçãoeasleis. É
mentiraqueoSupremoeos
ministrosdevamouviravoz
das ruas.Nãoépapel deles.

Comoosr. vê os diálogosvaza-
dosdeDeltaneMoro?ALava
Jato hojetemmuito interesse,
masaquestãoémaior.Fize-
mos umapesquisasobreau-
diênciadecustódia. Quando
oMinistérioPúblicopedea
decretação da prisão preven-
tiva,em 85 %das vezeséaten-
dido.Quandoadefesa pede li-
berdade provisóriacomcau-
telar,em 15 %das vezeséaten-
dida. Isso mostraque não há
paridade de armas no proces-
so penal brasileiro.

Qual suaavaliaçãodopaco-
te do Moro? Algolhe agra-
da?Quasenada.Éumpa-
cote que nãofala de melho-
raraqualidade da investiga-
ção, que nãofala que as políci-
as possam investigar melhor,
que nãofoi debatido antes de
ser apresentado.Éumpacote
que traz umrecrudescimento
penal, que só demonstraque
vaihaver um agravamento do
caos penitenciário que nós vi-
vemosedaviolaçãoaos direi-
tosegarantias individuais.


Vivemos uma época
defetichismo do
direitopenal. Essa
espetacularização de
crimeseoperações
policiais, discursos
degovernantes por
umrecrudescimento
penal irresponsável,
tudo isso insufla as
pessoasadebater
oassuntodeforma
nãotécnica

Quandoaadvocacia
criminalcomeça a
operar paraalém
dos seuscasos,
preocupadacomo
discurso político
radicalizado,éum
mau sinal.Éum
sintoma de que
as regras do jogo
não estão sendo
respeitadas

KarimeXavier/Folhapress


Hugo
Leonardo,
Advogado crimi-
nalepresidente
do IDDD,égra-
duado em direito
pelo Mackenzie
eemhistória
pelaUSP,com
pós-graduação
em direitopenal
pelaFGV.Membro
do Conselho de
Prerrogativas
daOAB/SP, foi
membrodo Con-
selho Nacional de
Política Criminal
ePenitenciária e
produtor-execu-
tivododocumen-
tário “Sem Pena”

$
Oque mudacom
alei do abuso de
autoridade
Oque pretendeoprojeto?
Otexto especificacondutas
que devem serconsideradas
abuso de autoridadee
prevê punições. Boa parte
das ações já são proibidas,
masoobjetivoépunir o
responsável pelas violações

Quecondutas são
consideradas abuso?
Algunsexemplos:
•Decretaracondução
coercitiva detestemunha ou
investigado semque antes a
pessoatenha sido intimada
acomparecer em juízo
•Invadir ou adentrar imóvel
sem autorização de seu
ocupantesem que haja
determinação judicialefora
dascondições já previstas
em lei (não há crime
quandooobjetivoéprestar
socorro, porexemplo)
•Manterpresos de ambosos
sexosnuma mesmacelaou
deixar adolescentedetido
na mesmacela queadultos
•Dar inícioaprocesso ou
investigação sem justa
causaecontraquem
se sabe inocente
•Grampear,promover
escutaambiental ou
quebrar segredo de
Justiça sem autorização
judicial oucomobjetivos
não autorizadosemlei
•Divulgar gravação ou
trecho semrelaçãocom
aprova que se pretenda
produzir,expondo a
intimidade ouferindo a
honraouaimagemdo
investigado ou acusado
•Mandar prender em
manifestadesconformidade
comalei ou deixar de
soltar ou substituir prisão
preventiva por medida
cautelar quandoalei permitir
•Violar prerrogativas
do advogado
asseguradas emlei
•Constrangeropreso,
medianteviolência, grave
ameaça ouredução de sua
capacidade deresistência
aproduzirprova contra
si oucontraterceiro
•Continuar interrogando
suspeitoque tenha decidido
permanecer calado ou
quetenha solicitado a
assistência de um advogado

Oque torna ascondutas
criminosas?Énecessário
queoato sejapraticadocom
afinalidade deprejudicar
alguém, beneficiarasi
mesmo ouaoutrapessoa
ou que seja motivado por
satisfação pessoal ou capricho

Que tipo de punições
são previstas? Medidas
administrativas (perda ou
afastamentodocargo),
cíveis (indenização)e
penais (penasrestritivas de
direitos). Quasetodos os
delitos previstostêmpena
de detenção—ouseja,o
regime inicial seráaberto ou
semiaberto. Aexceçãoépara
oartigo10, que prevê dois a
quatroanos dereclusãopara
quemrealizar “interceptação
de comunicações telefônicas,
de informáticaoutelemática,
promover escutaambiental
ou quebrar segredo da
Justiça,sem autorização
judicial oucomobjetivos
não autorizados em lei”

Quem poderáser
enquadrado? São passíveis
de sanção por abuso de
autoridade membros dos
PoderesLegislativo,Judiciário
eExecutivo, membros do
Ministério Público, membros
de tribunais ouconselhos
de contas, servidores
públicosemilitares ou
pessoasaeles equiparadas

Quandoalei entraem
vigor?Jan.

Queméresponsávelpor
denunciaroabuso? O
MinistérioPúblico, que
éodono da ação penal.
Se oórgão nãoacionar o
Judiciário,avítimatem
seis meses paraingressar
comação privada
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