Folha de São Paulo - 02.10.2019

(Steven Felgate) #1

aeee


opinião


A2 Quarta-Feira,2DeOutubrODe2 019

UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

[email protected]

editoriais


Maconhaesaúde


Policiais que se matam


Epilepsia,ansiedade,depressão,
esclerose múltipla, demência, dor
crônicaenáuseaspor quimiotera-
pia de pacientescomcâncer.Com
menosou maisevidência cientí-
fica, aCannabis—maconha—se
afirmacomo tratamentoalterna-
tivodecondiçõescontraasquais
afarmacologia tradicional nem
sempreoferece recursos.
Maisde 7. 000 doentesforamau-
torizados pela Anvisa,após 2014 ,
aimportar produtoscomcanabi-
diol (CBD)etetrahidrocanabinol
(THC). Masaburocraciaconsome
três meses,eospacientes despen-
dempelomenos R$ 1. 200 mensais
comosprodutos estrangeiros.
Asaída parareduzirocustose-
ria plantar maconha legalmentee
beneficiá-laaqui mesmono país.
Poucomais de 2. 500 pessoas ob-
tiveram naJustiçabrasileira esse
direito, amaioria membros da as-
sociação AbraceEsperança(PB),
àqualpagamR$ 350 de anuida-
deeaté R$ 200 mensais pelo óleo.
Claroestáque maconha não é
panaceia. Emverdade, só paraepi-
lepsia ostestes clínicosforneceram
atéagoraevidência sólida de eficá-
cia, em estudoscomrobustez esta-
tísticaecomparaçãocomplacebo.
Há que procedercomcautela.
Nãoéoutra arazão parahaver um
únicomedicamentolicenciado pe-
la Anvisa, paratratarespasmos em
pessoascomesclerose múltipla. A
agênciareguladoradebate no pre-
sentearegulamentação do cultivo,

queampliariaoacessohumanitá-
rio àCannabismedicinal.
Trata-se de um negócio que cres-
ce de modo acelerado no mundo.
Estima-se que, no Brasil, quase 4
milhões de doentespoderiambe-
neficiar- se, um mercadoavaliado
emalgoentreR$ 1 , 1 bilhãoeR$ 4 , 7
bilhõesanuais —todaaindústria
farmacêuticanacional movimen-
touem 2017 R$ 76 bilhões.
Ascondições favoráveis ao plan-
tiotambémdariam ao país boa
competitividade paraexportação.
NaAméricadoSul, os investimen-
tosatualmenteseconcentram na
Colômbia, pela ausência deregu-
lamentação poraqui.
Opiorcenário parapacientes
necessitadosestáemveraques-
tãoembaralhar-secomadades-
regulamentação do usorecreativo.
Talconfusão só interessaaradi-
cais de umconservadorismotosco
epopulista.NogovernoJair Bolso-
naro(PSL),oministrodaCidada-
nia, OsmarTerra, parecede olho
nosdividendospolítico-eleitorais
de perfilar-secomoinimigodeum
“poderosolobbymaconheiro”.
Verdade queatendência de des-
criminalizaçãodoporteedouso
da marijuana,comono Uruguai,
noCanadáeemboa partedos es-
tados norte-americanos, cresceu
apósaaberturaaaplicações medi-
cinais. Isso nãojustifica,contudo,
privar deeventuais benefícios pes-
soasque padecemcomaausência
deterapiasealternativas.

Patrulhar grandes cidades brasi-
leiras podeconstituir,sem dúvi-
da,atividadedegrande risco. Mas
nãovêmsó de criminosos as ame-
aças às vidasdos policiais.
Em 2018 ,aomenos 104 agentes
cometeram suicídionopaís,núme-
ro que supera odas mortes decor-
rentes deconfrontoemserviço, 87.
Tais dados,reunidos pela primei-
ra vezemâmbito nacional,cons-
tamdorecém-lançado 13 ºAnuário
BrasileirodeSegurançaPública.
Os organizadores do levantamen-
to afirmam,porém, queaquanti-
dade de suicídiostendeaser muito
maior,pois há estadosque nãore-
portam suasestatísticas, afimde
esconderoproblema,eoutros que
nem sequercontabilizam oscasos.
Jogarluz sobreaquestãoédecer-
to oprimeiropassoparaenfrentá-
la. Éoquecomeça afazeroestado
deSãoPaulo, pormeio de estudo
produzido pela ouvidoria da polí-
cia que traz detalhes de umasitua-
çãoalarmante. Em 2017 e 2018 ,na-
da menos que 17 policiais civis e 39
militares tiraramaprópria vida.
Nobiênio,osuicídiofoiaprinci-
palcausa de vitimização entreos
agentes civiseasegunda entreos
PMs —atrás apenasdos homicídi-
os ocorridos em períodosdefolga.
Astaxas de mortes por 100 mil in-
divíduos,consideradososefetivos

decada uma dascorporações,fo-
ramde 30 , 3 e 21 , 7 ,respectivamen-
te,bastanteacimadoanotado na
populaçãodoestado, 5 , 8.
Taldiscrepância sugereque o
suicídio dos policiaistemrelação
diretacom ascondiçõesdevida e
de trabalho desses profissionais,
que lidam diariamentecom uma
realidaderepletadedoresetris-
tezas. Homicídios, perseguições,
estupros,assaltosebrigas, entre
outras situações violentas,fazem
partedeseucotidiano.
Asituação nãoraroéagravada
porcondiçõesprecáriasdetraba-
lho—que incluemdéficit de pro-
fissionais, saláriossofríveis edele-
gacias sem estrutura—epor uma
culturainstitucional quevaloriza a
resistência diantedeadversidades.
Completaoquadrodedificul-
dadesaomissão do poder públi-
co comrelaçãoàsaúde mental dos
agentes.No caso da PolíciaMilitar,
aestrutura existenteabrange ape-
nas 35 %das unidadesdoestado.
Já na PolíciaCivilela nemmesmo
existe: há duas psicólogaseduas
assistentessociais paraumefeti-
vode 28 milpessoas.
Otrabalho da ouvidoria precisa
dar origemaprovidências,eaas-
sistênciapsicológicaepsiquiátri-
ca aessesprofissionais deve estar
entreasprimeiraspreocupações.

Cultivo daCannabisparafins medicinais deve ser


examinadocomcautela,mas sempreconceitos


SãoPauloAprogressãoderegime
prisionalédireitoouobrigação? Em
geral, pessoas encarceradasanseiam
por deixaraprisão,demodo que a
recusa em passardoregimefechado
paraosemiabertonunca despertou
grandeatenção dos doutrinadores.
AobstinaçãodeLulaemperma-
necernacadeia nãoécomum, mas
nãochegaaser inédita. Comomos-
trouMônicaBergamo,hácasos de
presos querecusamaprogressão
por motivos bemrazoáveis.
Sevocêmoraemáreadominada
por milícias, não quer ser vistocom
umatornozeleira. Sevocê acha que
nãovaiencontrar empregoparasus-
tentarafamília, pode preferir per-
manecerpresoerecebendooau-
xílio-reclusão.Sevocêdescobriu o
amoratrásdas grades, pode que-
rernão abandonarocompanheiro.
Nenhuma dessas situações se apli-
ca aLula, masisso não significaque
oex-presidentenãotenha suasra-
zões. Ele acha que ficarámelhor na
foto se obtiver uma anulação da sen-
tençadoque se sair pela progressão.
Éumobjetivopolítico, gritarão os

críticos. Pode ser, mas não há nada
na lei que proíba transformaraca-
deia em palanque. Aliás,oincomum
pedido do MP paraque Lula passe
ao semiabertotambémsó seexpli-
ca porcálculopolítico.
Eles que travem suaguerrade
imagens.Deminhaparte,pensan-
do emtermos macro, apenas lamen-
to queapautadaesquerdatenha si-
do sequestrada pela prisão de Lula.
Nãoestou dizendoqueoPTdeveria
abandoná-lo.Pessoalmente, euaté
preferiaostempos em queoparti-
doexpulsavasumariamentequal-
quer membrosobreoqual houves-
se questionamentos éticos, mas is-
so são águas passadas.
Oque me pareceproblemáticoé
queoprincipal partido de oposi-
ção,emvezdediscutiralternativas
às propostas dogovernoedar pro-
jeçãoanovos quadros, dedique a
maior partedesuas energiasacul-
tuar um dirigentecujotempo já pas-
sou.Ademocracia dependedaexis-
tência de uma oposiçãorobustae
preparada.
[email protected]

BRaSÍlIaAo ordenarofechamento
do Congressoperuano, opresiden-
te MartínVizcarradisse que aquela
era“uma solução democrática” pa-
ra os problemas do país.Sãoremo-
tasaschances de que eletenhacon-
fundidooadjetivo. Afrase revela, na
verdade,comooenfraquecimento
das instituiçõesfertilizaoterreno
para medidas autoritárias.
Abagunçanaqual se meteuoPe-
ru nos últimos diaséasoma de um
megaescândalodecorrupção,uma
políticadramaticamentefraturada,
um Congresso quetentasalvarapró-
pria peleeumpresidentedisposto
aaproveitar crises paraconcentrar
poder.Semelhançascomoutrosca-
sos daregiãonão sãocoincidências.
Vizcarraassumiuopoder em 2018 ,
quando PedroPabloKuczynskire-
nunciou sob acusação de envolvi-
mento comesquemas daOdebrecht.
Arevelação da bandalheirajogou no
lixoosresquíciosdecredibilidade da
classepolíticadaquele país.
Dispostoasurfar na fúria dopovo,
opresidentepassouatrabalhar pa-
ra reformarosistemapolíticoe,de

quebra, diluiropoder de um Con-
gressodominado pela oposição.
Os parlamentaresreagiram:atu-
aram pararetaliar Vizcarraeprote-
gerasipróprios. Enquantooscon-
gressistas barravam planos deredu-
zir seudireito àimunidade,opresi-
denteusava apopulaçãocomo escu-
doesugeria antecipar eleições pa-
ra se livrarde rivais no Legislativo.
Nosúltimos dias, os doisladosco-
meçaramadisputartambémoapa-
relhamentodacortesuprema.Oúl-
timogolpe aconteceu na segunda
( 30 ). VizcarradissolveuoCongres-
so,eosparlamentaresresponderam
comasuspensãodeseu mandato.
“Em sua ansiedade porconfronto,
opresidenteconfunde seus adver-
sários políticoscomasinstituições
que elesrepresentam”,disse Carlos
Meléndez, especialista em política
peruana,aoNewYork Times.
Turbinada por um escândalo de
corrupção,acriseéumexemplo
acabadodecomoadesgraçapolíti-
ca pode serexplorada poraprovei-
tadoreseabrircaminho parafragi-
lizaraprópria democracia.

RIoDEJaNEIRoSegundo li,celebrou-
se ontemoDia Internacional do Ido-
so.Ótimo —porquetodos os outros
sãooDia deTapearoIdoso.Oude
fazê-lo sentir-sedeslocado,umes-
tranho no que elecostumavaidenti-
ficarcomo ninho —seu espaço, seu
tempo,seu próprioeu.
Há pouco,observeinumaagência
de bancoumgerente,atrásdesua
mesaedesuaonipotência,impaci-
entediantedeumcidadão de ida-
de que lhe pedia instruções sobre
como trocar uma senha ou algodo
gênero. Parecequeaantigaagên-
ciadesteforafechadaeasuacon-
ta, transferida.Ogerente, já irrita-
do,insistia em queovelho poderia
fazeraquilosozinhonocaixaeletrô-
nico. Intrometi-me. Disseaogeren-
te queaúnica razão de elecontinu-
ar no empregoeramosidososque
ainda iam pessoalmente ao banco
—mas que se preparasse porque,
comaausênciadestes, ele próprio
seria substituído por uma máquina.
Outracena,nestefimdesemana,
foiadeumsenhorzinho levado pe-

la filhaauma operadorapara“atua-
lizar”seucelular.Peloque observei,
eletentavaentenderoque lhe dizi-
am e,como nãoconseguisse, pare-
cia sentir-se desesperadamente ve-
lhoeincapaz.Não lheocorria que,
aposentadoeocioso,podia mui-
to bem viversem aquele aparelho.
Enão há aposentadorecenteque
não seja bombardeado portelefone
comofertas de empréstimoscon-
signados e, sucumbindoaelas pe-
lo cansaço, veja-setitular de dívi-
das que nuncapensou emcontra-
ir.Não hátambémvelhinhas inde-
fesas que não sejam induzidasaas-
sinarrevistasdeque não precisam
e, aotentar se livrar dessasrevistas,
acabemassinando outras.
Quantoamim, desenvolvi uma
técnicaparamelivrar dos assédi-
os. Quando uma operadorameliga
todafeliz parainformar que fui “se-
lecionado” pararecebertalouqual
“benefício”,interrompo paradizer
que prometiàmamãe nuncaacei-
tarfavores de estranhosemando
um passar bemetchau.

Progressão na marra


Colapsoàmoda peruana


Tempo hostil paraidosos



  • Hélio Schwartsman


  • BrunoBoghossian




  • RuyCastro




Foiuma semana do arco da ve-
lha para quem,como eu,assis-
tiu ao nascimentodaConsti-
tuinteem 1986 ,composta, em
ampla maioria, por cidadãos
que tinham um mesmopro-
blema: haviam sofridorestri-
ções àsua liberdade de pen-
sareaoseu direitodedefesa.
Foicontraisso que seredi-
giuaobra-prima da Consti-
tuição de 1988 :ostextosdos
“PrincípiosFundamentais”e
dos “DireitoseGarantiasIn-
dividuais”,quevãodoArt. 1 º.
ao Art. 11 ,que são,provavel-
mente, os melhores do mun-
do.Elesgarantemamais ir-
restritaliberdadededefe-
sa detodocidadão em legí-
timos processos judiciários,
oquefoireafirmado, agora,
por significativa maioriape-
lo SupremoTribunalFederal.
Épreciso insistir.O“espí-
rito”geraldosconstituintes
eraprevereprevenirqual-
querabuso de autoridade
que, infelizmente, são pos-
sibilidades emtodos os Es-
tados, mesmoosque se pen-
sam liberaisedemocráticos,
comoéonossocaso hoje. O
lamentável foiassistiràre-
ação pretensiosaeinsensa-
ta de partedamídia que, de-
sinformada, crêqueodevi-
do processo legal seja ape-
nas uma “filigrana legalista
ultrapassada”.
Aocontrário do quetalpen-
samentoprimitivosugere, o
respeitoàboaexecução do
devido processolegal não
cerceiaaoperação Lava Jato.
Estarepresentou umaformi-
dávelautópsiadeumincesto
criminosoentrepartedopo-
der público nomeadoeparte
do setor privado.
Éclaroque osavanços in-
vestigativos promovidos pe-
la lei da delação premiada
( 12. 850 / 2013 ), aprovada pelo
CongressoNacionalesancio-
nadaporDilmaRousseff,aju-
dados pela incorporação da
expertise adquiridapelo Mi-
nistérioPúblico epela Polícia
Federaleapoiados em novos
processostecnológicos,vão
continuarasedesenvolver e
aseaperfeiçoar.
Talvezoinegável sucesso
da operaçãotenha inflado o
egodealguns de seusfauto-
res, oque os levou, comaco-
nivênciadamesma mídia (ao
mesmotempobeneficiária
de“vazamentosexclusivos”e
instrumentoparamobilizar
oapoiopopular),aespetacu-
larizar investigaçõeseante-
ciparapressãosobrejuízes.
Issocriouopéssimo pre-
conceitonaopiniãopúbli-
cade quetemos duas “justi-
ças” no Brasil. Uma nova,di-
ligenteedinâmica, queforne-
ce“notíciasexclusivas” para
obterseus objetivos,eoutra,
velha, que só “fala” nos autos
eque se submeteàs“filigra-
nas jurídicas ultrapassadas”.
Nada doterror que se anun-
cia, no mesmo estilo midiá-
ticoeteatral de sempre,vai
acontecer. Ao fimeaocabo,
oque produziuosucesso in-
vestigativonaLavaJatovai
ser aprendido portodooJu-
diciário,masnão alguns de
seusmétodoscontrovertidos.
[email protected]

Terrorismo



  • Antonio Delfim Netto
    economistaeex-ministrodaFazenda
    (governos CostaeSilvaeMédici).
    escreve às quartas


Hubert

Dados mostram cifras anormais de suicídio entre


agentes,oque exigeatenção imediatadoestado

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