TRINTA E TRÊS
Um banco era, por definição, um local onde se trabalhava demasiado e se ganhava bastante
bem, quando se tinha um cargo de grande responsabilidade. Zé sabia-o bem, porque não se
podia queixar do ordenado, de modo algum, mas, por razões que interessavam muito pouco à
administração, ele não estava a corresponder no que se referia ao seu empenhamento e
disponibilidade. Esperavam dele que se matasse a trabalhar, mas, se Zé morresse de alguma
coisa agora, seria de álcool e tabaco.
Entrou no gabinete com Lisete na peugada. A secretária preocupava-se mais do que ele com o
rumo pouco auspicioso que as coisas pareciam estar a tomar no escritório. Zé parecia que
estava anestesiado e comportava-se como se fosse dono de algum escudo invisível
anticatástrofe.
— Calma, Lisete — disse-lhe, a despir o sobretudo. — Diga-me só o que é mais urgente.
Ficou a trabalhar até às dez da noite. Nesse preciso momento, recostou-se na cadeira e olhou
através da porta aberta para o gabinete vazio da secretária. O cinzeiro transbordava de beatas e
o ambiente era quase irrespirável de tanto fumo. Zé soltou um longo suspiro e deixou sair em
voz alta um desabafo que lhe estava entalado na garganta havia muito:
— Odeio esta merda, odeio este gabinete, odeio esta gente, odeio este banco.
Depois levantou-se, agarrou no sobretudo, saiu do gabinete sem se dar ao trabalho de arrumar
o que quer que fosse e voltou para casa. Regressou ao banco bem cedo no dia seguinte para uma
maratona ainda mais longa.
Zé compreendia que o facto de não ter mulher o levava a gerir a vida de uma forma
lamentável. Sentia-se inseguro como um marinheiro embarcado, sem raízes em terra. Não havia
um lugar a que pudesse chamar o seu lar. Havia o apartamento novo, mas esse era apenas o
espaço onde ia dormir. A mobília era alugada e as fotografias das molduras mostravam caras
anónimas recortadas de revistas de moda. Mas apesar de ter consciência da sua desorientação,
sentia que não havia muito a fazer em relação a isso. A maior parte do tempo, andava demasiado
ocupado com o trabalho, as saídas nocturnas, as ressacas, as corridas para a lavandaria ou para
o ginásio e as horas roubadas a tudo isso eram para estar com Quico. Sabia que se tivesse um
compromisso sério, ficaria agarrado a uma rotina saudável que lhe permitiria concentrar-se nas
coisas realmente importantes — curiosamente, invocar agora a antiga rotina que antes o
desesperava provocava-lhe uma enorme nostalgia. Sabia que se não jantasse fora todos os dias
e se não se arrastasse pelas discotecas até às cinco da manhã, teria cabeça para trabalhar e
cumprir as suas obrigações profissionais e não andaria constantemente a pensar como fazer para
encontrar uma mulher. Dormir com uma mulher diferente todas as semanas poderia parecer
muito atractivo — e, em certa medida, era-o, de facto — mas não contribuía nada para uma vida
equilibrada.