TRINTA E SEIS
Os fins-de-semana eram o pior. Para dizer a verdade, Zé nunca se dera bem com os fins-de-
semana. Antes arrastava-se durante os dois dias sem fazer absolutamente nada e sentia-se mal
por isso, depois continuou a desperdiçá-los, mas dava graças a Deus por ter aquele tempo livre
para descansar das correrias entre Cátia, Sara e a família, agora morria de tédio por ficar
sozinho e deprimia-se.
Houve uma sexta-feira em que Zé quis planear tudo com antecedência e decidiu ir buscar
Quico para passarem o fim-de-semana juntos. Mas antes teve de ir ao dentista.
Na sala de espera do dentista estavam dois putos gordos a jogar a «Serpente» num telemóvel,
uma senhora dos seus setenta anos a discutir em voz baixa e ríspida com o marido, também com
os seus setenta anos, e uma mulher nervosa, sentada ao lado de Zé, que passava as páginas das
revistas como se lhes desse chapadas. Usava calças de fazenda e um casaquinho de malha,
ambos cinzento-claros e muito, muito conservadores, cruzava e descruzava as pernas de dez em
dez páginas, mantinha a cabeça erguida e só os olhos é que se mexiam. Acabava uma revista,
descruzava as pernas, trocava de revista, cruzava as pernas e começava a maltratar a revista
seguinte.
— Também odeia dentistas? — perguntou ela, subitamente, sem parar o que estava a fazer. Zé
olhou para a mulher, espantado, tentando perceber se era com ele que ela falava.
— Não, por acaso eu até...
— Eu odeio — interrompeu-o. — Nunca gostei. Tenho medo daquelas brocas e das seringas e
das injecções e do barulho e não gosto de estar deitada com uma luz apontada aos olhos sem
poder ver o que o homem faz na minha boca. É tudo uma porcaria, não é?
— Bem, acho que ele tem de...
— Eu acho aquilo tudo uma porcaria. Sabe-se lá que doenças é que podemos apanhar numa
cadeira de dentista. Sida? Hepatite? Sei lá!
— Não, mas, hoje em dia...
— Sei lá, sei lá, sei lá, sei lá, sei lá, sei lá.
A porta abriu-se.
— Senhor José Figueiredo? — Era a assistente.
A mulher calou-se, levantou a cabeça, olhou para Zé pela primeira vez e voltou a concentrar-
se na revista.
Zé saiu do dentista e foi directamente para casa de Graça. Encontrou-a a tomar conta de Quico
e de Antoninho.
— O que é que este faje aqui? — Espantou-se. Que ele soubesse, os miúdos não se
gramavam.
— O Tó pediu-me para ficar com ele.