QUARENTA E CINCO
Houve uma coisa que Quico disse que deixou Zé a pensar. Deambulavam pelo Jardim
Zoológico, algures entre o recinto dos leões e o dos elefantes, a comer um gelado sem pressas.
«Pai, não achas que já sou muito crescido para vir ao Jardim Zoológico?» Zé replicou-lhe que
não havia idades para ir ao Jardim Zoológico, as pessoas iam porque gostavam de ir e ponto
final. «Ah, como eu me lembro de vir cá contigo e com a mãe quando era pequeno, pensei que
era um programa para crianças», disse Quico. Zé achou delicioso aquele comentário do filho. O
seu primeiro impulso foi fazer-lhe notar que, como ele ainda só tinha nove anos, ainda era
pequeno — de idade, claro, pois de altura Quico não tinha nada de pequeno —, mas não o fez,
com medo de o melindrar. Continuaram o seu passeio, a comer os gelados, e a conversa passou.
Mas Zé ficou a pensar. Apercebeu-se de que, com nove anos, uma pessoa achava que já
andava neste mundo há tanto tempo que se referia ao seu próprio passado como a altura em que
era pequena. E quando tivesse quase quarenta, essa pessoa iria descobrir que chegara à idade
adulta enquanto o diabo esfregara um olho e que a infância lhe deixara tantas recordações
importantes que parecia uma época bastante mais longa do que na realidade fora.
Podia ser um raciocínio meio disparatado, mas a Zé serviu para lhe abrir os olhos e pensar:
Sou aquilo a que se chama um homem de meia-idade e, se estes primeiros quarenta anos
passaram tão depressa, os próximos não vão passar mais devagar. E isso foi uma espécie de
aviso, um sinal importante para não cair na tentação da amargura e não se perder com ódios
inúteis e degradantes. Ia, mas era, viver a sua vida, decidiu.
Nos últimos tempos, Zé tornara-se um ex-marido insuportável. Desde que soubera do romance
de Graça com Tó, dedicara-se a fazer-lhe a vida negra. Contratara um advogado com o
objectivo de ir para a frente com um divórcio litigioso e avisara-a de que tencionava pedir a
custódia do filho. Apesar de o seu próprio advogado o informar de que não tinha a menor
chance de conseguir ganhar a causa, Zé achara que valia a pena, porque, pelo menos, o
processo serviria para a fazer passar um mau bocado. O seu ressentimento era tanto que Zé
levara a sua perversidade ao ponto de querer tornar a vida de Graça um inferno de modo a que
isso se reflectisse na relação entre ela e Tó. Zé não a podia ter, mas talvez pudesse impedi-la de
ser feliz ao lado de Tó.
Embora soubesse que estava a ter um comportamento deplorável, não via, simplesmente,
razão para fazer as coisas de outra maneira. Agora Zé tinha dias certos para ficar com Quico e
aproveitava os seus direitos ao segundo. Se era para o ir buscar às nove e meia da manhã, batia-
lhe à porta às nove e meia em ponto; se Graça lhe pedia, eventualmente, para o entregar meia
hora mais cedo do que era suposto, por lhe dar jeito, Zé recusava com um não seco. Tornara-se
mesquinho. Deixara de contribuir com dinheiro para a renda da casa e outras despesas que não
fossem, estritamente, metade da mensalidade do colégio e mais euros para acudir às