QUARENTA E SEIS
A vida tinha destas ironias. Agora que Zé se tornara um profissional exemplar, o seu superior
iniciara uma guerra fria contra ele. E porquê? Ora, porque lhe chegara aos ouvidos que a sua
Cátia havia sido em primeiro lugar a Cátia de Zé. E a rejeição dela, somada a isto, era,
aparentemente, demais para o homem. De modo que, enquanto Zé planeava estratégias para
arreliar Graça, via-se perante outra frente de combate no banco, onde um cretino que não tinha
outro nome fazia os impossíveis para lhe arranjar problemas. A ironia disto tudo era o tal
cretino não ser muito diferente de Zé no que tocava a lidar com as mulheres e respectivos
namorados, ou, no caso de Cátia, ex-namorado.
O Verão chegou e, num daqueles dias quentes que só apetecia estar na praia, Zé entretinha-se
a preencher um cupão do totoloto no seu gabinete, quando se pôs a pensar no que faria se lhe
saísse o primeiro prémio. E um pensamento levou a outro e, quando deu por isso, estava a
passar pela secretária do cretino do superior, a entrar-lhe pelo gabinete dentro sem pedir
licença, levando na mão uma folha branca, onde escrevera um número bem grande e a sentar-se
numa cadeira diante da mesa dele.
— Preciso de falar consigo — comunicou-lhe. — Pode ser agora?
— Já que aí está — resmungou o outro.
— Tenho de me ir embora.
— E precisa de me entrar pelo gabinete dessa maneira só para me dizer que precisa de sair
mais cedo?
— Não, doutor, não está a perceber. Eu vou-me embora definitivamente.
— Definitivamente?
— Exacto. Não aguento nem mais um dia neste banco.
— Mas, aconteceu alguma coisa que não se possa resolver? Figueiredo, você é um excelente
profissional, não vejo por que razão haveria de se demitir.
Hipócrita do caraças , pensou Zé.
— Não — disse —, não aconteceu nada de especial. Eu é que, simplesmente, odeio este
trabalho e este banco. Por isso, quero ir-me embora.
— Bem — o administrador fez uma expressão resignada —, pondo as coisas nesses termos,
só lhe posso dizer que nós não queremos pessoas contrariadas a trabalhar connosco. Mas, tem a
certeza de que não se vai arrepender? Não quer pensar no assunto durante uns dias?
— Não.
— Então, meu caro, está no seu pleno direito de se demitir.
Zé colocou a folha branca com o número grande em cima da secretária do administrador.
— O que é isto? — perguntou o superior.
— É a minha indemnização.