QUARENTA E SETE
Zé colocou as suas coisas pessoais num pequeno caixote de cartão, despediu-se com um
abraço afectuoso de uma Lisete lacrimosa, e atirou definitivamente para trás das costas aquele
gabinete horroroso que lhe custara o equivalente a anos de vida em preocupações.
Cruzou-se com Cátia no corredor, junto aos elevadores.
— Segura aqui — disse, passando-lhe o caixote para as mãos. Agarrou-lhe a cara com as
duas mãos e deu-lhe um grande beijo na boca que a deixou corada. Recebeu de volta o caixote e
disse-lhe: — O teu assunto já está tratado. O homem não volta a chatear-te. Aliás, talvez até te
promova, por recomendação minha.
Carregou no botão do elevador e ficou à espera. Cátia observou-o, espantada.
— Como é que isso é possível? — perguntou, desconfiada.
— É possível. — Sorriu. — Acredita que é possível.
O elevador chegou e Zé entrou.
— Onde é que vais? — quis saber Cátia.
— Vou-me embora de vez.
— Despediste-te?
— Hum, hum — assentiu Zé, sorridente como um puto atrevido.
A porta fechou-se e Zé carregou no botão para o parque de estacionamento.
Ao chegar à rua, Zé sentiu-se livre e feliz como há muito tempo não lhe acontecia. Teve
vontade de gritar de alegria. Conduziu em direcção ao rio, à procura de uma esplanada onde
pudesse beber uma cerveja descansado, a saborear os primeiros momentos da sua nova vida.
Agora sim, pensou depois, já sentado a uma mesa de um restaurante nas Docas, agora é que as
coisas iam mudar realmente. Ergueu o copo de cerveja, fazendo uma saúde solitária e prometeu
a si próprio que nunca mais se deixaria cair na ratoeira de um escritório opressor, nem
permitiria que fosse levado pela voracidade da ambição profissional. Que se lixasse o poder e
o dinheiro. Eu nunca fui muito ambicioso, de qualquer maneira... Encolheu os ombros.
Zé descontraiu-se na cadeira, observando com curiosidade através do vidro da esplanada as
pessoas lá fora, a passear. Era o princípio da noite e ninguém parecia ter pressa para nada.
Reparou num casal em particular. A mulher deteve-se para apreciar os bonecos verdes de um
vendedor ambulante, que caminhavam pelo passeio com os olhos luminosos e davam
cambalhotas no chão. O marido ficou à espera, a olhar para o lado, aborrecido, recusando-se a
participar do entusiasmo dela. Casamento longo , pensou Zé.
E ao ver aquela cena, concluiu pela primeira vez que não queria realmente voltar para Graça.
Não a amava. Já não a amava quando começara a procurar outras mulheres e ainda menos agora.
O que acontecera de facto — ainda que só naquele momento esta evidência lhe saltasse aos
olhos — fora que Zé havia sido levado a crer que a queria, pela simples razão de que não a