QUARENTA E OITO
Tocou à campainha da porta do prédio e não teve de esperar muito para ouvir a voz de Sara
no intercomunicador a perguntar quem era.
— É o Zé — anunciou-se. — Preciso de falar contigo. Fez-se um pequeno silêncio e depois
ouviu a resposta triste.
— Eu não te quero ver mais, Zé. Vai-te embora, por favor.
— Sara — insistiu —, é só um bocadinho.
— Adeus, Zé — ouviu. E novamente o silêncio.
— Sara?
Não houve resposta. Zé encolheu os ombros e colou o dedo à campainha do apartamento dela.
Hoje estava capaz de tudo, não se importava.
— O que é que estás a fazer?! — gritou ela. — Vais assustar os meus pais!
— É melhor vires cá abaixo falar comigo, ou fico o resto da noite a tocar — ameaçou, num
tom jovial.
— Olha, Zé, vai passear. — Agora estava zangada.
Ele voltou a colar o dedo à campainha.
— Pára com isso! — ouviu-a gritar.
— Vens cá abaixo?
— Vou já — disse Sara, contrariada.
Dois minutos mais tarde, Sara abriu a porta irritada e perguntou-lhe se ele tinha enlouquecido.
— Nem por isso — ofereceu-lhe um sorriso cândido.
Fazia um frio seco na rua e Sara cruzou os braços, puxando o casaco de lã, leve, que trazia
por cima de uma camisa de algodão fino, para tapar o peito. Vestia calças de ganga e sapatos de
ténis e tinha o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo, como uma adolescente. Zé sentiu vontade
de a abraçar e beijar, mas desconfiou de que não seria uma boa ideia. Sara vinha com cara de
poucos amigos.
— O que é que vieste cá fazer? — perguntou-lhe, num tom que mais parecia o de um polícia a
interrogar um delinquente.
— Isto vai demorar um bocadinho — avisou-a. — Não queres ir comigo até ali ao carro, para
ficarmos mais quentinhos?
Sara olhou fixamente para Zé, como se ele tivesse acabado de dizer uma aberração, mas em
seguida hesitou, desviou os olhos para a rua, ganhando um segundo para ponderar a proposta
dele e, por fim, assentiu com a cabeça, em silêncio, e seguiu atrás dele para o carro.
Zé abriu-lhe a porta, deu a volta ao carro e entrou por sua vez. Sara manteve-se muda, com os
braços cruzados e a olhar em frente, através do pára-brisas.
— Ora bem — disse Zé —, por onde é que eu hei-de começar?