Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

QUARENTA E NOVE


O sol de Julho costuma apanhar a Ericeira cheia de turistas. Na parte antiga da vila, uma
muralha imponente ergue-se cerca de trinta metros acima do nível do mar. Do outro lado da
estrada que segue ao longo da muralha há uma pequena loja de artesanato que vende garrafas de
areia colorida e pranchas de surf em segunda mão.
São oito e quinze da tarde e o sol é uma bola perfeita, alaranjada, prestes a afundar-se no mar,
na linha do horizonte. Zé e Miguelinho estão sentados na rua, frente à loja, nas suas cadeiras de
realizador de cinema com os respectivos nomes inscritos nas costas de lona. Usam óculos
escuros, boné encarnado com pala, camisolas de manga curta com o logótipo da loja estampado
no peito e calções. Zé está calçado com uns sapatos de ténis velhos e Miguelinho prefere as
suas sandálias de gosto duvidoso.
Um rapazinho na casa dos quinze aproxima-se deles, de mão dada com a namorada, e
interpela-os.
— Boa tarde, a loja já está fechada?
— Está e não está — diz Miguelinho que, tal como Zé, continua a olhar em frente, por detrás
dos óculos escuros, para não perder nem um raio dos últimos resquícios de sol.
O rapaz esboça um sorriso embaraçado e olha para a namorada, que fica na mesma.
— É que — diz o jovem — eu queria ver uma prancha.
— E eu — acrescenta a namorada — gostava de comprar uma garrafa de areia colorida.
— Entrem — diz Miguelinho — e escolham o que quiserem.
O rapaz volta a olhar para a namorada, desconcertado, e depois encolhe os ombros e diz:
— Está bem.
Os jovens entram na loja e Zé começa a rir-se, divertido com a cena.
— O que foi? — pergunta Miguelinho, sem tirar os olhos do sol.
— Nada, nada — responde Zé, sem parar de se rir.
— Não te preocupes — diz Miguelinho, a sorrir — que as garrafas de areia colorida vendem-
se sozinhas.
— Estou a ver que sim.
— Queres apostar?
— Não.
Dali a pouco os jovens saem da loja com quatro garrafas. O rapaz faz algumas perguntas
sobre as características de uma prancha de surf e promete voltar no dia seguinte para a comprar.
Entretanto, a rapariga passa a Zé duas notas para pagar as garrafas de areia colorida.
— Eu não te disse? — diz Miguelinho, depois de eles se irem embora.
— Estou impressionado — rende-se Zé. — As garrafas de areia colorida vendem-se
sozinhas.

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