Rosa trabalhava para Zé Pedro desde o primeiro dia. Contratara-a por anúncio. Nunca mais o
deixara, e ainda bem, porque, hoje em dia, não saberia o que fazer sem ela. Rosa era uma
solteirona desempoeirada, de idade indefinida. Zé Pedro calculava que ela andaria pelos
cinquenta e cinco, mas era apenas uma suspeita. Apesar de se conhecerem há dez anos, nunca
estivera em casa dela e, tirando um ou outro almoço ou a troca de presentes simbólicos no
Natal, não conviviam socialmente. Mas Rosa fazia-lhe companhia na livraria e Zé Pedro
gostava dela como de uma verdadeira amiga. Talvez por ser mais velha e por nunca ter casado
nem ter tido filhos, havia em Rosa uma certa condescendência maternal para com ele, que de
todo o incomodava.
Atravessou a livraria, passando por entre as duas bancadas centrais e o balcão, e abriu a
porta de vidro opaco do gabinete. Era um cubículo com uma secretária cheia de papéis, um
computador, um candeeiro metalizado e um armário com as prateleiras atulhadas de dossiês
antigos, empoeirados e inúteis.
Quando Zé Pedro se recostava na sua velha cadeira giratória de madeira e esticava os braços
para trás para se espreguiçar na intimidade, tocava com as mãos nas prateleiras. O gabinete era
tão pequeno que ele só o utilizava para escrever ao computador.
Atirou o casaco para cima de um caixote de livros que esperava destino, deixou-se cair na
cadeira e acendeu um cigarro a pensar em Mariana. Há quanto tempo é que eu não a via?, fez
contas à vida. Estava-se a chegar ao Verão de 2001... Desde Março de 1986, claro.