dele. Não se achava suficientemente interessante para atrair uma mulher do seu calibre, via-a
mais na companhia de um tipo atlético, empresário de sucesso com um Ferrari à porta, convites
para festas VIP e fotografias nas revistas dos famosos. Zé não tinha nada disso, mas tinha Cátia
e isso parecia-lhe um pouco anacrónico. Bem podia dizer a si mesmo que o amor era cego e não
ligava a fortunas, posição social e essas tretas todas, mas a realidade era um bocadinho
diferente, não era? E Cátia nunca lhe havia dito que o amava, pois não?
Teve pena de não poder aparecer no almoço acompanhado de Cátia. Teria sido bestial ver o
pessoal a babar-se para cima dos pratos. Mas, pelo menos, levou o Mercedes.
O restaurante ficava na zona comercial de um condomínio semifechado, num quarteirão
entalado entre o jardim das Amoreiras e a Rua Artilharia Um, desenhado pelas mãos
qualificadas de um arquitecto competente. Era um restaurante razoavelmente caro, sofisticado,
mas não daqueles onde não se podia aparecer sem reservar mesa com antecedência. Havia
empregados fardados a rigor e com bons modos e uma carta de vinhos aceitável.
Estavam seis à mesa, todos amigos de sempre, históricos da juventude. Elogiaram-lhe o
Mercedes e isso foi bom. Houve uma época, quando ainda estavam solteiros, em que eram
inseparáveis. Tinham crescido juntos e não avaliavam as suas amizades pelo dinheiro, pelos
carros ou pelo sucesso profissional de cada um. Se Zé chegasse de autocarro, seria acolhido
exactamente da mesma forma que se viesse de carro com motorista. Zé sabia que eram tipos
porreiros que não ligavam a isso. Mas, ainda assim, era melhor chegar de Mercedes.
Começaram por falar dos empregos e de assuntos bestialmente técnicos e complexos, como os
novos produtos financeiros e as taxas de juro dos bancos onde trabalhavam, assuntos que os
faziam sentir-se uns tipos modernos, cultos e brilhantes. Mas com o evoluir do almoço, do vinho
e da conversa voltaram ao mesmo de sempre: mulheres, carros, futebol e anedotas porcas,
evidentemente.
Três deles trabalhavam em bancos, um era dono de um stand de automóveis — e por isso
apresentava-se de Porsche —, Tó dedicava-se à sua mediadora de seguros e só um deles
continuava a tirar fotocópias numa lojeca sem importância, a viver num T0 inconcebível na
Ericeira, a fumar charros e a fazer surf como se ainda tivesse quinze anos. Chamava-se Miguel,
tratavam-no por Miguelinho, e contrastava com a maioria dos amigos por usar calças de ganga
velhas e t-shirt amarrotada, em vez de fatos cinzentos e gravatas de seda; e por se manter
solteiro e utilizar um vocabulário semelhante ao dos filhos dos amigos e ainda por não ter
dinheiro para pagar a conta.
O problema de Miguelinho era não ter evoluído com a idade. Com o tempo tornara-se
aborrecido ouvir-lhe as mesmas piadas que outrora tinham feito dele o mais divertido do grupo,
e saber que, por mais conselhos que se lhe desse, Miguelinho nunca seria ninguém. Mas, apesar
de tudo, era tolerado pelo grupo, em nome da velha amizade, e no fim do almoço a conta
dividir-se-ia por cinco, deixando o Miguelinho naturalmente de fora.
Zé contou-lhes da sua promoção, tendo o cuidado — para grande pena sua — de não falar do
seu caso com Cátia.
— Bem, meu — disse Miguelinho —, aposto que já andas a comer alguma chavala lá do
banco, com o Mercedes e o gabinete novo e essas merdas todas.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1