Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

Características mais fortes de Miguelinho: consideravelmente irresponsável, demasiado
falador e inconveniente.
— Sim, Miguelinho — suspirou —, a administração colocou-me uma chavala à disposição e
posso fazer o que quiser com ela.
Zé trocou um olhar rápido com Tó e este pôs os olhos no prato. Era o único que sabia de
Cátia.
Podia pensar-se que, como não tinha onde cair morto, Miguelinho fosse um tipo humilde,
metido consigo próprio, discreto. Mas não, na verdade, ele era exactamente o contrário disso
tudo. Gostava de uma boa discussão e, embora normalmente se visse sozinho contra todos, não
vacilava na defesa dos seus pontos de vista que aliás, em geral, eram bastante desconcertantes e
conseguiam tirar qualquer um do sério.
— Não percebo porque é que vocês andam sempre com essas merdas das gajas boas, gajas
boas, gajas boas. Fogo! Até mete nojo. As gajas boas são tão boas como as más.
— Pois, Miguelinho, tá bem — disse um deles —, mas a gente prefere as boas.
— Ouve, meu, levas uma gaja cagativa para a cama, às escuras, e não te sabe ao mesmo que
uma gaja boa?
— Não, porque tu sabes que não é uma gaja boa.
— Não me lixes. Uma gaja é uma gaja. É como o vinho. Se provares de olhos fechados dois
vinhos à mesma temperatura, não és capaz de dizer qual é que é o branco e qual é que é o tinto.
— Ai isso é que sou!
— Ai isso é que não és! Mas tens a mania de que o vinho tinto é que é vinho e que o branco é
para os betos que não percebem nada de vinho. Com as gajas é a mesma cena, muita garganta,
muita esquisitice, mas depois comes a primeira que te aparecer.
E depois disto gerou-se uma nova discussão, com todos a reclamarem com Miguelinho por
causa da história dos vinhos, e mandaram vir uma garrafa de tinto e outra de branco e todos
quiseram fazer a experiência que não deu em nada porque, como havia cinquenta por cento de
hipóteses, metade acertou no vinho certo e a outra metade falhou.
A conversa continuou neste tom, sem que Miguelinho se deixasse intimidar pelos Porsches e
pelos Mercedes e pelos fatos Armani e as gravatas de seda. Miguelinho tinha uma tendência
hippie. No Verão enchia garrafas com areias de várias cores que, colocadas às camadas,
formavam desenhos curiosos, e vendia-as na praia. Ambicionava abrir uma loja de garrafas com
areias coloridas e pranchas de surf em segunda mão, mas ainda não convencera ninguém a
investir no negócio.
— Pessoal — disse no fim do almoço —, não tenho cheta para pagar a conta.
— A gente sabe, Miguelinho, não te preocupes com isso.

Free download pdf