TREZE
Zé foi para o banco a pensar no que Miguelinho dissera. Num ponto ele tinha razão, os
homens falavam muito, diziam-se difíceis, «que eu não vou com qualquer uma, que com a idade
ficamos mais exigentes» e essas tretas todas, mas no fundo os homens eram fáceis. Ali estava
ele, casado há dez anos, amava Graça, mas isso não o impedira de ir para a cama com Cátia só
por Cátia ser um Ferrari das mulheres. Os homens eram fáceis porque não viam tanto o sexo
como uma consequência única e exclusiva do amor; viam-no como condição inalienável do
amor, mas não o contrário. Zé sabia, por experiência própria, que podia envolver-se
sexualmente com uma mulher sem sentir um pingo de amor por ela.
Ele não se via casado com Cátia, não se imaginava a viver com ela no seu apartamento saído
de um quadro de Roy Lichtenstein e, para ser sincero, nem sequer se interessara muito em
conhecê-la bem. Sabia que Cátia era uma rapariga criada em Viseu, que viera para Lisboa e se
tornara uma mulher sofisticada à pressa. Imaginava-a a crescer no seio de uma família da classe
média baixa e conservadora, de origens bem diferentes das suas, com gostos e interesses
distintos. Percebia, pelo seu apartamento com uma decoração copiada de revistas, pela ausência
de raízes e pela falta de amigos em Lisboa, que Cátia era uma pessoa à deriva na grande cidade.
Cátia agarrava-se ao trabalho e a Zé porque, a menos que apanhasse o autocarro para Viseu, não
havia mais nada nem ninguém que justificasse a vida que escolhera. O problema era que, se era
segurança que ela procurava, Zé não lha podia dar, ou não queria.
À tarde recebeu uma mensagem de Miguelinho no telemóvel. Dizia assim: «Reunião de
emergência, 18:00 horas, frente à bilheteira dos cinemas das Amoreiras.» Se fosse de outra
pessoa, teria ficado preocupado, vinda de quem vinha só lhe arrancou um sorriso. Miguelinho
não era propriamente maluco. Quem o conhecesse há pouco tempo pensaria que sim, mas não,
ele simplesmente não crescera. Em muitos aspectos, mantinha-se o mesmo miúdo de sempre.
Por isso todos o tratavam pelo diminutivo, que era a maneira afectuosa de reconhecerem essa
sua característica.
Foi encontrá-lo a contemplar extasiado a montra de uma loja de roupa.
— Olá, Miguelinho.
— Olá — cumprimentou-o, sem tirar os olhos da montra.
— Então, qual é a emergência?
— Que gaja boa... — pasmou, referindo-se ao manequim de plástico na montra.
— Miguelinho, é uma boneca.
— Olha-me para aquelas mamas.
— Não estão mal — disse Zé, a revirar os olhos.
— São pequeninas, em rampa, como eu gosto. Não gostas?
— Gosto — admitiu, fazendo inconscientemente que sim com a cabeça, a pensar em Cátia.