Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

CATORZE


Um dia típico de Zé: Chegar ao banco às nove — e já estava a pensar seriamente em começar
a trabalhar às oito —, seguir atulhado em problemas até às dez da noite — sem almoço nem
pausas, só uma sandes e um refrigerante no gabinete —, dar um pulo a casa de Cátia às
segundas, quartas e sextas, ir ao ginásio às terças e quintas — quando ia —, chegar a casa
depois das onze, abrir o frigorífico, voltar a fechá-lo sem vontade de comer, cair na cama e
adormecer como uma pedra.
Começava a ficar francamente assustado com o volume do trabalho e a complexidade dos
problemas em cima das suas costas. Agora compreendia que a promoção tinha sido um presente
envenenado. Antes era só mais um funcionário sem importância alguma e que não fazia nada de
interessante, mas pelo menos conseguia ter uma vida para além do banco. De momento, o banco
era a sua vida. Vivia num permanente estado de nervos, preocupado, ou melhor, à beira do
pânico, pressionado por todos os lados, sem saber para onde se virar. A responsabilidade
aumentara duzentos por cento e o Mercedes não pagava isso. O aumento, enfim, não era mau,
mas também não fora tão bom como julgara.
Cátia já não lhe dava tanto gozo como inicialmente. As visitas a casa dela tinham começado a
fazer parte de uma rotina semanal. Zé não andava de bom humor e, a maior parte das vezes, ia
picar o ponto quase por obrigação. Cátia tornara-se mais exigente, já não se contentava com
uma paródia de sexo rápido, preparava-lhe jantarinhos, que ele engolia sem convicção, e queria
conversar com ele calmamente, sentada à mesa a falar dos problemas do trabalho, das suas
ansiedades, das suas ambições e de mais uma data de assuntos que Zé nem costumava ouvir com
muita atenção, pressionado com as horas, preocupado em ir para casa.
A relação com Cátia começava a parecer-se demasiado com uma vida de casados, para ele
uma segunda vida de casado, uma vida dupla. Ou seja, tudo o que Zé sempre garantira a si
mesmo que não aconteceria. Cátia comprara-lhe uma escova de dentes!
Ela parecia perfeitamente feliz com a situação. Afinal, nunca chegaram a ter a tal conversa
sobre ele ser casado e não poder dar-lhe aquilo que ela pretendia de um homem. Era
angustiante. E o pior é que Zé não se sentia com coragem para acabar com tudo. Envolvera-se
demasiado. Obrigava-se todos os dias a prometer a si próprio que não passava desse dia, mas
chegava a casa de Cátia mais morto que vivo e ela enchia-o de mimos e ele perdia a embalagem
no mesmo instante — antecipando, com uma nuvem negra sobre a sua cabeça, uma conversa
pesada, uma cena de choro e essas tretas todas, demasiado emocionais depois de uma jornada
de trabalho arrasadora — e adiava o assunto para o dia seguinte.
Em casa as coisas não iam melhor. Graça nunca fora uma mulher ciumenta e possessiva, do
género inseguro e sufocante, mas agora revelava alguma desconfiança. E com razão, diga-se.
Afinal de contas, onde é que Zé estava com a cabeça quando pensou que o banco servia de

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