Era engraçado como se podia olhar para uma pessoa, conversar com ela horas seguidas, ir
com ela para a cama e, só depois de algum tempo, depois de ultrapassada a excitação inicial, se
começar a aperceber de uma série de pormenores que haviam passado completamente
despercebidos. No fundo, só se via o que se queria ver, até se começar, lentamente, de uma
forma progressiva, a ter a imagem completa da pessoa. Zé achara que Sara era uma rapariga
desinibida, moderna, bonita de uma maneira muito feminina. Na realidade, Sara era desinibida,
moderna, mas não tão bonita assim nem, de forma alguma, muito feminina. A sua atitude
independente emprestava-lhe uma certa masculinidade, no sentido de não agir como a maioria
das mulheres, de não ficar à espera de que o homem tomasse a iniciativa, de não ficar sentada
em casa ao lado do telefone até que lhe telefonassem para a convidar para sair, ou de não
aceitar que lhe pagassem as contas e de se estar a borrifar para conversas românticas, ramos de
flores e outras tretas do género. Era como ela via as coisas.
Enquanto Graça dava como adquirido que Zé regressaria sempre a casa ao fim do dia e Cátia
aguardava pacientemente um telefonema dele, Sara pegava no telemóvel onde quer que estivesse
e interrompia-lhe uma reunião para lhe dizer que largasse tudo o que estava a fazer para ir ao
seu encontro numa paragem do metro, numa esplanada ou num quarto de hotel.
É claro que havia muitas mulheres perfeitamente capazes de fazer o mesmo, mas Sara tinha
esta particularidade de estar sempre um passo à frente de Zé, de ser ela a tomar as decisões,
enquanto ele se limitava a seguir a corrente.
— É estranho — comentou Zé uma vez — ainda viveres com os teus pais.
— Porquê?
— Por seres tão independente.
— Por acaso, até já pensei muitas vezes em ir viver sozinha, mas como passo a vida de um
lado para o outro, de hotel em hotel, por causa do trabalho, acabo por estar pouco tempo em
casa.
De facto, o seu trabalho como produtora levava-a a viajar frequentemente tanto em Portugal
como para o estrangeiro. Duas semanas depois de se conhecerem, Sara ligou a Zé do Porto e
disse-lhe para ir ter com ela. E ele estava tão obcecado por ela que pegou no carro e fez isso
mesmo. Passou uma hora com Sara num quarto de hotel e regressou a casa a tempo de jantar
com Graça.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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