podia repetir tudo isso várias vezes por semana e várias semanas por mês, mas não se podia
apaixonar por ela, porque isso seria ir contra todas as regras. O bom senso dizia-lhe que devia
manter uma distância segura no domínio dos sentimentos para não cair na armadilha do amor. O
amor com A grande, o amor verdadeiro estava reservado para Graça e tinha de ser protegido a
qualquer preço, nem que para tal tivesse de se convencer de que andava a comer um Ferrari ,
por mais ridículo que fosse o conceito.
Diversificar parecera-lhe a palavra-chave para evitar sentimentos profundos — e não lhe
viessem dizer que andava a inventar desculpas em cima de desculpas para enganar Graça
despudoradamente, porque ele não estava para aí virado. — Diversificar foi a palavra que
melhor lhe soou quando começou a sair com Sara. Afinal de contas, não poderia apaixonar-se
por três mulheres ao mesmo tempo, pois não?
Então, o que é que tinha agora? Tinha Graça, como sempre; Cátia, a mulher mais bonita que
Zé alguma vez conhecera; Sara, a mais nova das três, vinte e seis anos, um corpo perfeito, e a
menos convencional das três. Sara não pensava em casar e ter filhos, não esperava nada de Zé
nem queria compromissos, não tinha uma profissão muito comum, e gostava de sexo como
nenhuma outra mulher com quem Zé já tivesse estado. Gostava do sexo sem tabus nem regras,
gostava de virar tudo do avesso, e de fazer coisas que só se viam nos filmes, como fazer amor
de pé na cabina de provas de uma loja de roupa.
Era este conjunto que tornava Sara fascinante, embora Zé achasse que ela não era o género de
mulher que ele escolhesse para casar e dar-lhe filhos. Quando se tratava de escolher alguém
para casar, um homem queria sempre uma mulher convencional. Podia não ser muito bonita nem
muito imaginativa na cama, mas tinha de ser, definitivamente, convencional. Tinha de evitar que
a casa se afundasse como um Titanic , de tratar das compras, de decidir sobre as refeições, de
saber a que dias se fazia a muda da roupa das camas e das toalhas das casas de banho, de tomar
conta dos filhos, das escolas e dos médicos, de ser, em suma, a âncora que garantisse a
estabilidade do casamento. Zé, como todos os seus amigos — salvo talvez Miguelinho, mas esse
nem sequer pensava em casar —, fantasiava com mulheres que se estavam nas tintas para a casa,
que não sabiam cozinhar, que não queriam filhos a prejudicar-lhes a carreira e que faziam amor
com quem lhes apetecesse, quando lhes apetecesse e onde lhes apetecesse. Uma mulher assim,
livre das pressões sociais, imune às regras da educação tradicional, sem preconceitos
conservadores, era o sonho de qualquer homem. Mas não para casar, evidentemente.
Zé jamais conseguiria dormir descansado se estivesse casado com alguém que andasse pelo
país em filmagens e que não fizesse a mínima ideia se o frigorífico estava cheio ou vazio. Era
uma questão de segurança, ou insegurança, neste caso.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1