sempre por adiar a viagem, sabia-se lá porquê. Preguiça, era o que era.
Os amigos de Graça tinham desaparecido do mapa, praticamente todos; perdera o contacto
com eles. Os amigos de Zé resistiam. Um almoço por mês e pronto. Tó e Lili eram os únicos
fiéis, com quem estavam mais vezes. Já não davam um jantar há séculos e só viam o Alentejo da
auto-estrada quando iam ao Algarve no Verão.
Durante a semana, Zé estava ocupado a trabalhar, os dias corriam depressa e não lhe
deixavam tempo para se preocupar com estas coisas. Mas ao fim-de-semana caía em si e
enchia-se de remorsos por não fazer mais pela vida, por se deixar andar sem contrariar a
letargia do sofá e dos cinemas com pipocas.
Assustava-o um pouco ver os meses passarem, semana após semana, e ficar-lhe apenas aquela
sensação do tempo perdido. Isto deixava-o muito deprimido.
Mas tudo mudara desde que Zé começara a desafiar a sorte. Agora sentia-se bem vivo. Vivia
no arame mas sabia que ainda tinha adrenalina e arriscava. Além disso, tinha um estatuto
profissional invejável, gabinete próprio e secretária de carne e osso. Tinha uma família de que
gostava e andava com duas mulheres que lhe preenchiam o ego, cada uma à sua maneira. Era
uma infantilidade, pois era, mas...
Por vezes Zé sentia-se perdido, com a sensação de que nunca crescera. Olhava para Quico e
pensava, se tu soubesses, meu filho, deitavas as mãos à cabeça e gritavas: « Meu Deus, estou
entregue a um adolescente! » , porque era exactamente assim que Zé se sentia.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1