Eu e as Mulheres da Minha Vida

(Carla ScalaEjcveS) #1

DEZANOVE


Há uma série de conselhos básicos para os maridos infiéis. São pequenas precauções
baseadas no bom senso, que não custam nada a tomar e que, se forem seguidas, garantem um
casamento mais saudável e prolongado. Uma delas consiste em não deixar nunca, mas nunca, o
telemóvel à mão da mulher legítima. Deve guardar-se o aparelho em lugares seguros, como o
escritório ou o carro, mas não se deve levá-lo para casa ou, se se levar, convém desligá-lo e
certificar-se de que ela não conhece o código de acesso. Pode ter-se dois telemóveis — esta é a
solução mais sofisticada e comporta alguns incómodos, como saber dois números de cor e
canalizar chamadas diferentes para cada aparelho, segundo as conveniências, mas é bastante
eficaz — e, nesse caso, só se dá a conhecer à mulher o telemóvel inocente.
Se não quiser seguir nenhuma destas indicações, o marido infiel pode optar por ser
extremamente susceptível ao facto de alguém, seja lá quem for, usar o seu telemóvel, seja em
que circunstância for. — Será que não pode haver pelo menos uma coisa nesta casa que seja
só minha?
É uma pergunta legítima, bizarra talvez, se vier a propósito de um simples telemóvel,
mas legítima. E deve ser feita em voz bem audível, e até provocar uma discussão, e repetir-se as
vezes que forem necessárias até a mulher perceber que deve respeitar a vontade do marido neste
aspecto particular, por mais ridícula que lhe pareça.
Em caso de desespero, o marido infiel deve tomar a derradeira medida de urgência
recomendada por todos os manuais: deitar fora o telemóvel e dizer que o perdeu. Vem nos
livros.
Era uma sexta-feira. Zé estava a tomar um duche rápido e preparavam-se para ir jantar fora
com Tó e Lili. O telemóvel de Zé tocou no quarto e Graça atendeu. Do outro lado ninguém falou
mas ela percebeu que a outra pessoa interrompeu a ligação. Graça atirou o aparelho para cima
da cama e continuou a vestir-se. Não ligou muito ao incidente porque naquele momento estava
indecisa com a camisola que deveria vestir e já provara três e ainda não se sentia satisfeita com
o resultado que via ao espelho, de corpo inteiro, que havia no canto do quarto. Cinco minutos
depois, o telemóvel voltou a tocar. Os duches rápidos de Zé nunca demoravam menos de vinte
minutos. Graça atendeu e, novamente, do outro lado desligaram. Mas agora ela já escolhera a
camisola e, como sempre, preparava-se para ficar à espera de Zé. De modo que deu mais
atenção àquele comportamento inusitado de alguém que ligava e não falava.
Foi uma atitude inocente, uma ingenuidade, levada somente pela curiosidade. Graça consultou
o registo de chamadas não atendidas do telemóvel de Zé e constatou que havia sete do mesmo
número, com o nome de Cátia. Se bem que ela não conhecesse ninguém com esse nome, admitiu
que poderia haver uma explicação plausível para uma Cátia desconhecida ligar com insistência
para Zé e desligar precipitadamente quando não ouvia a sua voz. Poderia ser um assunto urgente
de trabalho, uma funcionária tímida ou qualquer coisa assim rebuscada mas, enfim, possível. Em

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