VINTE E TRÊS
— Como, Cátia? — explodiu Zé. — Como é que tu pudeste ser tão estúpida para deixares que
a minha mulher percebesse que havia alguma coisa entre nós?!
— Eu não lhe disse nada, Zé — defendeu-se Cátia.
— Não lhe disseste nada? Não lhe disseste nada de jeito, queres tu dizer.
— Ela é que me telefonou. E apanhou-me desprevenida. Eu fiquei aflita, atrapalhei-me.
Desculpa.
— Eu desculpo, Cátia, a minha mulher é que talvez não me desculpe.
Zé nunca fora tão desagradável com Cátia. Aliás, Zé nunca fora desagradável com Cátia. Era
a primeira discussão deles e Zé sentia-se mal por estar ali, naquele apartamentozinho piroso
dela — que ele só suportara até agora por achar que ela valia isso e muito mais, embora
naquele momento não pensasse o mesmo (para ser sincero, até já estava farto dela) — e sentia-
se furioso consigo próprio por não ter acabado com ela há mais tempo e por ter adiado o fim da
relação tantas vezes por falta de coragem. O que mais o penalizava era estar a ter uma discussão
com Cátia como se ela fosse a sua mulher. Quer dizer, discussões entre homem e mulher era
coisa de casamento, não se discutia com a mulher com quem se andava a dormir simplesmente
porque não havia problemas para discutir. Não havia filhos, não havia questões de dinheiro, de
casa, etc. A vantagem de ter alguém por fora do casamento era essa mesma.
Zé tinha ideias muito claras de como devia ser uma relação ilegítima. Devia ser apenas
divertimento e mais nada. Pronto, era natural que fizesse alguns sacrifícios, que se visse
obrigado a fingir um bocado, que tivesse de lhe dizer e de fazer algumas coisas que ela
apreciasse — como fingir que se interessava pelos seus problemas e pelos seus dilemas
existenciais, ou ter de passar por cima de uma data de pequenas coisas que, no todo, formavam
aquilo que ela realmente era: uma rapariga de origens bem modestas com interesses, ideias e
gostos totalmente diferentes dos seus e que, a propósito, só não o faziam vomitar porque
fisicamente Cátia era espectacular —, mas esses sacrifícios só se justificavam porque lhe
permitiam ter acesso à cama dela. E para fazer amor com Cátia — ou deveria dizer Bellucci?
— Zé era capaz de dizer que a amava, que ela era a mulher mais interessante, do ponto de vista
intelectual, que ele alguma vez conhecera e até que o seu gosto para a decoração era impecável.
E, de facto, até lhe dissera algumas destas coisas. Mas, bolas, só para fornicar com ela Zé fazia
isso e muito mais.
Cátia começara por ser uma fantasia, tornara-se uma realidade boa de mais para ser verdade
e, finalmente, tudo acabara nisto: ele a discutir com ela como se fossem marido e mulher, a
terem a sua primeira discussão! Era só o que me faltava , pensou.
— Bem — consultou o relógio —, tenho de me ir embora.
— Está bem — disse Cátia, sentada à beira da cama, desamparada, com as mãos abandonadas