VINTE E QUATRO
Encontrou Graça sentada no sofá da sala. A televisão desligada e ela em silêncio. Era mau
sinal. Graça tinha os olhos inchados, parecia ter estado a chorar.
— Vou deixar-te — comunicou-lhe, antes de ele ter oportunidade de dizer fosse o que fosse.
— Vais o quê?!
— Tu mentiste-me. Andas com outras mulheres, nunca estás em casa, passas a vida a inventar
desculpas e eu não aguento mais isto.
— Graça, Graça, Graça... — Foi a correr sentar-se ao lado dela. Segurou-lhe a mão, mas ela
retirou-a. — Que conversa é essa?
— O que me custa mais são as mentiras, sabes? E a traição, não suporto a traição.
— Quais mentiras, Graça? Não recomeces com essa paranóia de que eu ando a enganar-te. Eu
já te expliquei que não tenho caso nenhum, que aqueles telefonemas eram assuntos de trabalho.
O que é que queres que eu te diga mais para perceberes que não ando com mulher nenhuma?
— Quero que digas a verdade, que não me mintas.
— Eu não te estou a mentir.
— Não?
— Não.
— Quem era a mulher com quem foste ao cinema outro dia?
Zé gelou.
— Ao cinema?
— Sim, ao cinema. Não te faças de esquecido. Eu perguntei-te se tinhas ido ao cinema com
uma amiga e tu disseste que não. Já te lembras?
— Lembro-me. E continuo a dizer-te que não, não fui ao cinema com ninguém.
— Tem graça, e a Isabel garante-me que eras tu.
— A Isabel disse-te que era alguém parecido comigo, lembras-te?
— Pois disse, mas isso foi na altura. Hoje confessou-me que eras mesmo tu.
— A Isabel é uma idiota.
— Achas?
— Acho.
— É uma idiota porque está a dizer a verdade!
— Não grites, olha o miúdo.
— O miúdo está a dormir há horas, como sempre. Qualquer dia já nem te lembras da cara
dele.
— Graça, estás a ser injusta.
— Talvez, apetece-me ser injusta, acho que tenho direito a ser injusta quando o meu marido
me mente. E ainda não respondeste à minha pergunta.