— Mesmo assim... que estranho, ainda no outro dia estivemos com eles e parecia tudo bem.
— Pois, mas não estava.
— Tenho de falar com a Lili, coitada.
— Eu acho que ela está bem, apesar de tudo.
— Deve estar muito bem. — Mais uma explosão. — Tu não percebes nada, pois não?
— O que é que foi que eu disse agora?
— Ela não deve estar nada bem e eles deviam tentar salvar o casamento porque, se uma
relação corre mal ao fim de dez ou onze anos, não se acaba com ela ao primeiro problema.
— Estás a falar deles ou de nós, Graça? Não foi exactamente isso que tu fizeste?
— Não, Zé, eu nunca disse que desistia. Parece-me que tu é que desististe.
— Eu?!
— Sim, tu. Quem é que atendeu o telefone, posso saber? Silêncio.
— Zé?...
— Não, não podes. — Zé poderia ter dito que Sara era uma amiga de Tó, mas sabia que
Graça desconfiaria e haveria de inventar uma desculpa para pedir para falar com Tó, e Zé teria
de dizer que ele não estava em casa e iria de mentira em mentira até ela perceber e lhe desligar
o telefone na cara ou coisa parecida. De maneira que preferiu dar-lhe uma resposta do género
não-tens-nada-com-isso, na esperança de que ela se sentisse um bocadinho culpada por causa da
sua atitude inquisitória e pensasse que ele tinha alguma razão para se ofender e para lhe dar uma
resposta torta. Não que Graça não tivesse motivos de sobra para ser desconfiada e para lhe
fazer perguntas sem sentir que estava a ser injusta.
— És um bom filho-da-mãe, sabias?
— Não achas que estás a ser um bocadinho injusta? E intolerante e precipitada, já agora.
Bolas, Graça, estás sempre a acusar toda a gente sem saberes o que se passa. Ora resolves a
vida do Tó e da Lili, ora insinuas que eu... olha, esquece.
— Essa é boa, agora eu é que sou a culpada de tudo!
— Não, Graça, o que eu quero dizer é que as coisas nem sempre são o que parecem e que tu
andas muito irritada. Com razão, eu sei, mas andas muito irritada e reages a quente a tudo. E
tiras conclusões apressadas.
— Tais como?
— Tais como bastar veres-me na companhia de uma mulher para achares que ando metido
com ela.
— E não andas? — sussurrou Sara, divertida com a situação. Zé abriu-lhe os olhos em sinal
de advertência.
— E não andas? — perguntou Graça.
— Não, não ando. — Sara enterrou a cara na almofada, para abafar as gargalhadas. Zé atirou-
lhe com a sua, zangado. — O Quico está aí? — perguntou, para mudar de assunto e porque
estava ansioso por falar com o filho.
— Está lá dentro.
— Posso falar com ele?
— Podes. Vou chamá-lo.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1