estaria a perguntar-se como é que as suas vidas se podiam ter desmoronado tão facilmente como
um baralho de cartas. Como é que ela podia ter-se enganado tanto? Teria andado Zé a fingir
aqueles anos todos em que diziam que se amavam, em que falavam das suas aspirações e dos
seus receios, em que festejavam os sucessos de um como se fossem dos dois e se apoiavam
mutuamente quando as coisas não corriam bem?
Como poderia Zé explicar a Graça que quisera Cátia e Sara, não porque as amasse, mas
porque sentira uma imensa glória ao conquistá-las? A maior parte do tempo, Zé nem sequer
tinha paciência para estar com elas. Com Graça falava de assuntos da vida de ambos, que lhe
interessavam realmente, dos objectivos que, de uma maneira ou de outra, diziam respeito aos
dois. Com as outras, as conversas não chegavam a esse ponto. As vidas de Cátia e de Sara, por
muito próximas que estivessem da de Zé, nunca se misturavam com a dele. Eram caminhos
separados que se cruzavam acidentalmente e mais nada.
Gostava da parte do sexo, não podia negá-lo, mas o resto era demasiado insípido para se
poder chamar uma história comum. Zé sentia-se mais próximo dos amigos que almoçavam com
ele uma vez por mês do que com elas. Estranho? Nem por isso. Se se tivesse em conta o seu
ponto de vista, se se percebesse que as suas conquistas extraconjugais tinham que ver com o
facto de marcar pontos — pontos para si, entenda-se, algo assim íntimo que só ele sentia, e não
para mostrar aos amigos que era um conquistador (embora, por vezes, houvesse essa tentação)
— e se se compreendesse que Zé não pretendia ser um destruidor de casamentos, mas apenas
provar a si próprio que conseguia conquistar outras mulheres, então, provavelmente, poderia
perceber-se porque é que ele gostava de ter outras mulheres mesmo sem gostar delas. Tirando o
sexo, claro. Mas Zé tinha consciência de que se tratava de uma cena psicológica complicada,
que até ele tinha dificuldade em explicar, quanto mais os outros perceberem. E, no estado em
que se encontrava a sua relação com Graça, se Zé tivesse a ideia peregrina de lhe explicar as
coisas tal como elas eram, o mais certo seria ela dizer-lhe para enfiar a sua cena psicológica
num sítio bem desagradável.
Zé sabia que não estava a ser nada original. Havia milhares de homens que passavam por este
tipo de crises, que começavam a olhar de esguelha para as suas mulheres sentadas ao lado deles
no sofá e entravam em pânico. Pensavam: será que eu vou passar o resto da minha vida com
ela? Será que não vou poder ter outras mais bonitas ou, pelo menos, diferentes? É que a
diversificação era importante para os homens. Ou então viam as suas mulheres começarem a
engordar e a envelhecer e apaixonavam-se facilmente pela primeira colega de trabalho, com
vinte e poucos anos e um corpo perfeito que lhes dirigisse um sorriso provocador. Estas cenas
psicológicas estavam sempre a bater na cabeça dos homens que se aproximavam perigosamente
dos quarenta e sentiam necessidade de arranjar uma mulher mais nova para se sentirem também
eles mais jovens. Era algo que tinha que ver com o medo de envelhecer, dizia-se.
Se por acaso Graça passasse pelo mesmo, seria ele compreensivo e dar-lhe-ia uma segunda
oportunidade quando ela se apercebesse de que estava a afundar-se em areias movediças? É
claro que não! Graça nunca o enganaria, tinha a certeza, mas se por acaso esse absurdo tivesse
acontecido, Zé não lhe teria perdoado, nem que a vaca tussa , era o que pensava, no passado,
sempre que essa questão o assaltava.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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