Bolas, ainda uns dias antes saíra de casa dela deixando-a com o coração destroçado e agora já
andava pelos corredores do banco a saracotear-se toda contente por ter um namorado novo?
Quanto tempo é que durava um desgosto de amor hoje em dia? Por quanto tempo se deveria
fazer luto e chorar pelos cantos e pensar na pessoa amada e achar que a vida já não fazia
sentido? No caso de Cátia, por muito pouco, pelos vistos. Isso doía, pois a verdade é que Zé
gostaria de pensar que Cátia andava por aí arrasada, a sonhar com ele e com o dia em que se
cruzassem no corredor do banco e que ele a convidasse para sair e então, talvez, tudo voltasse a
ser como dantes. Mas não.
O que é que me interessa? Eu nem sequer gostava dela , pensou Zé, só para apaziguar a
inquietação que lhe mordeu a alma durante toda a tarde, como se fosse uma daquelas dorzinhas
insignificantes mas persistentes, que nos incomodam ao ponto de não conseguirmos pensar em
mais nada.
Mas interessava. Não estava certo, no seu coração Zé sentia que era uma injustiça. Ele
perdera Graça por causa de Cátia, mal conseguia dormir e trabalhar ou fazer fosse o que fosse
devido à sua separação e, entretanto, Cátia já estava noutra e não queria nem saber dos
problemas dele, das suas insónias e do seu estado de espírito deplorável. Por outras palavras,
Cátia ultrapassara a situação porque, no fundo, não levava a relação deles a sério. Era uma
fingida? Talvez não, mas também não pensara que fosse o fim do mundo ele desistir dela.
Zé saiu do restaurante e foi tomar um copo a um bar ali ao lado e depois seguiu para a zona
das Docas, onde entrou no Indochina, uma discoteca a abarrotar de gente alegre que saltava na
pista como se aquilo fosse a festa mais divertida do ano. Pediu mais uma bebida. Por essa altura
já lhes perdera a conta. Encostou-se ao balcão a pensar em Cátia e em como descobrira que
afinal ele não era assim tão importante para ela como isso. E quanto mais pensava no assunto,
mais ele lhe parecia hilariante. Deu consigo a rir-se sozinho às gargalhadas, imaginando-se a
dizer a Graça que não fazia sentido ela expulsá-lo de casa por uma coisinha de nada, na medida
em que Cátia até já andava com outro e, bem vistas as coisas, que importância é que aquilo tudo
tinha? Imaginou Graça a ouvir a sua explicação prática sobre a relação dele com Cátia e viu-se
a dizer-lhe que estava a fazer uma tempestade num copo de água e, sem saber bem porquê, a
ideia pareceu-lhe extremamente divertida e fê-lo rir até às lágrimas, inclinado à frente do
balcão, agarrado à barriga, tomado por um riso convulsivo que deixou as pessoas em redor
alarmadas.
Voltou para o carro aos tombos e guiou devagarinho até casa, regressando aos ataques de riso
sempre que se lembrava do mesmo, dando murros histéricos no volante e limpando as lágrimas
dos olhos para conseguir ver a estrada. Arrumou o carro desajeitadamente e subiu os dois
lanços de escadas até à sua porta continuando a rir-se como um perdido. Mas no instante em que
se viu sozinho em casa, rodeado de um silêncio perturbador e ainda com as suas próprias
gargalhadas a ecoarem lá fora, caiu em si e percebeu a situação complicada em que estava
metido. De repente, ficou sério, à beira do choro. Para dizer a verdade, Zé engoliu em seco e só
não chorou porque um homem não chora.
Atirou-se vestido para cima da cama, apagou-se instantaneamente e dormiu seguidinho até ao
meio-dia.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1