TRINTA E UM
No dia seguinte Zé descobriu vários pretextos para não ir trabalhar. Em primeiro lugar, não
acordou a horas o que, não sendo uma boa razão para invocar no banco, não deixava de ser uma
realidade iniludível. Em segundo lugar, saiu da cama praticamente a rastejar para a casa de
banho e enfiou a cabeça na retrete durante quarenta e cinco minutos a vomitar tudo o que tinha e
o que não tinha no estômago e, mesmo assim, continuou a sentir-se terrivelmente mal. Logo,
podia considerar-se doente (uma ressaca podia ser considerada doença? Vómitos, dor de
cabeça, mãos a tremer? O seu corpo não funcionava, a cabeça muito menos... sim, podia ser
considerada doença). Em terceiro lugar, era o seu dia de anos e Zé nunca trabalhava no seu dia
de anos.
Telefonou para o banco e comunicou à secretária que estava doente, «deve ter sido alguma
coisa que eu comi ontem», disse, e desligou precipitadamente para voltar a correr para a casa
de banho e abraçar-se à retrete.
Passou o resto do dia na cama a dormir. Levantou-se por volta das sete da tarde, tomou um
banho e às oito estava a bater à porta da casa de Graça para apanhar Quico.
— O que é que tu tens? — perguntou Graça, assustada com o seu aspecto. — Estás branco.
— Passei o dia na cama, maldisposto, mas já estou melhor.
— Tens a certeza? Não queres adiar o jantar?
— Não, nem pensar. O Quico ia ficar tristíssimo.
— Pois, lá isso ia.
— Olá, pai — cumprimentou Quico, saído detrás da mãe.
— Olá, Quico.
— Parabéns!
Deram um abraço.
— Tenho um presente para ti.
— Tens?
— Tenho. É uma redacção que eu escrevi na escola.
— Uau, e onde é que está essa redacção?
— Está aqui.
Entregou-lhe um papel dobrado ao meio, que Zé enfiou no bolso.
— Muito obrigado — disse. — Vou lê-la com muita atenção mais tarde, está bem?
— Está.
— Vamos embora?
— Vamos.
Zé esticou-se para dar um beijo de despedida a Graça, mas ela desviou a cara e virou-se para
apanhar uma malinha com a roupa de Quico. Ele já levava ao ombro a mochila da escola.