momento, com o avião esburacado de ponta a ponta, o motor a falhar por
todos os lados e um preocupante fumo negro a escapar-se por debaixo do
capot e a tapar-lhe parcialmente a visão. Se me safar desta, pensou, vou ficar
muito admirado . Era realmente extraordinário que o Dornier ainda voasse,
considerando os estragos que o afligiam, mas também não seria por muito
mais tempo, pois o pior receio de Nuno confirmar-se-ia dali a escassos
segundos.
Efectuou uma longa curva da esquerda para a direita, 180 graus, de modo a
contornar a base e a alinhar-se com a pista. Enquanto sobrevoava a pequena
aldeia indígena com as suas cubatas dispostas em círculo, apercebeu-se de
que a visibilidade ia diminuindo à medida que a fumarada aumentava e ficou
alarmado com a possibilidade de ter de enfrentar um incêndio. Estava quase a
concluir a volta e a iniciar a aproximação à pista quando o motor emitiu três
soluços moribundos e simplesmente parou. De súbito, o seu reconfortante
ruído habitual foi substituído por um silêncio sinistro. Através do pára-brisas
partido pelos traumáticos impactos das balas de 7,62 mm, entrava o ar gelado
do exterior e uma chuva impiedosa que fizeram descer dramaticamente a
temperatura na cabina.
O lado direito do pára-brisas tinha colapsado, atingido pela rajada que o
abriu na diagonal. A arma que a disparara, uma AK-47, tinha capacidade para
despejar seiscentos tiros por minuto e uma precisão de quatrocentos metros,
embora o seu raio de acção fosse de um quilómetro e meio. Ora, no seu
irreflectido voo picado Nuno aproximara-se tanto do solo que até uma criança
teria conseguido acertar em cheio no pára-brisas. Nuno ainda não tivera
oportunidade de verificar os estragos adicionais atrás de si, na fuselagem, mas
podia dar-se por satisfeito de nenhuma bala lhe ter feito também um buraco
na testa. De qualquer modo, de momento a única preocupação de Nuno era o
motor parado. Tentou freneticamente repô-lo em marcha, mas nada do que fez
resultou. Está morto , pensou, petrificado com o carácter definitivo daquela
fria e objectiva constatação. O motor não voltaria a trabalhar, ponto final.
As mãos tremiam-lhe, o coração saltava-lhe, o rosto destilava suores frios.
Um sombrio véu de desespero e desorientação começou a envolvê-lo,
impedindo-o de raciocinar com clareza e de tomar decisões imediatas e
necessárias. Mas, consciente de que não poderia deixar-se ir atrás do pânico,
Nuno forçou-se a reagir. Respirou fundo, espreitou para fora através do lado
bom do pára-brisas, o seu lado, e localizou a pista. Eu consigo fazer isto, eu
consigo fazer isto... repetiu em voz alta, para se convencer, para se