O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O avião planou por cima das derradeiras árvores antes da vedação, passou
tão baixo que agitou a folhagem. Nuno soltou um suspiro no momento em
que cruzou a cabeceira da pista, enquanto desligava a bateria e o alternador a
segundos de pousar as rodas na faixa de terra. Full flaps , aterragem, recolher
os flaps , pé no travão, tudo muito suave. O Dornier rodou pela pista e Nuno
aliviou o pedal para aproveitar o balanço e levá-lo até junto das instalações
que, vendo bem, não eram mais do que um conjunto de barracas mal
amanhadas. Já cá viera algumas vezes, mas nunca deixava de ficar intrigado
ao ponto de se interrogar como é que os militares portugueses aceitavam viver
naquelas condições. O aspecto desolado daquele buraco infecto, sem um
mínimo de comodidade, sem edifícios seguros, era consternador. Se fossem
soldados americanos, imaginava Nuno, mandavam os generais passear e
punham-se a andar dali para fora. Mas eram portugueses e, aparentemente, os
soldados lusos adaptavam-se a qualquer ambiente, mesmo que chafurdassem
na merda durante meses a fio, pensava ele. Se calhar, foi por isso que
aguentaram catorze anos de guerra e ainda cá estão, ainda cá estamos...
Quanto tempo mais é que não sei.


O DO-27 imobilizou-se na placa de parqueamento, um espaço aberto à
direita da pista que era um prolongamento de terra batida, servido por uma
pequena oficina construída com chapas de zinco abauladas. Atrás desta
ficavam as restantes instalações, algumas do mesmo material, outras apenas
umas simples tendas de grandes dimensões. Nuno espreitou por cima do
ombro para avaliar os danos e descobriu que, pelo menos na aparência, o
avião estava razoavelmente intacto, apesar de tudo, mas um bocado para o
desarrumado, bastante molhado e com alguns furos novos. Que se lixe esta
merda toda,
pensou, aliviado por ele próprio não ter sofrido um arranhão.


Cem metros à esquerda, a vedação de arame que marcava o limite da base
estendia-se paralela à pista, continuava depois por mais cinquenta metros,
circundando-a ao fundo, tendo no canto a torre de vigia em madeira, não
muito alta e, definitivamente, não muito sólida, pelo que se encontrava
abandonada. Nuno espreitou para fora e não viu vivalma. Ao contrário do que
era costume, não apareceu ninguém para o receber. Só então se lembrou de
que a base deveria estar em estado de alerta e os seus efectivos em posições
defensivas. Eles estavam lá, mas escondidos.


Libertou-se dos cintos  de  segurança   no  exacto  momento em  que sentiu  o
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