O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Podias ter morrido.
— Regina, isso foi há muito tempo. Sabes bem que já não há combates,
praticamente.


— Mas podes ter um acidente.
— Posso ter um acidente todos os dias, a atravessar a rua. — Regina rolou
os olhos nas órbitas.


— Pois, está bem — resmungou. — Como se fosse a mesma coisa.
— Não é, de facto. O avião é mais seguro do que andar de carro.
Ela suspirou, voltou-se para a praia, a contemplar o pôr do Sol, tão bonito,
tão... pacífico. Se pudesse ser sempre assim, pensou, se pudéssemos estar
sempre juntos.


Se ao menos — murmurou — estivesses mais tempo em casa...
Nuno recostou-se na cadeira e cruzou os braços, a observá-la em silêncio.
— Tudo bem — acabou por ceder. — Eu vou passar mais tempo em casa.
Faço menos voos e fico mais tempo em Luanda — prometeu, mas não
cumpriu.


Regina não suspeitava que Nuno tivesse outra mulher, estava até certa de
que não, tanto quanto era possível ter a certeza dessas coisas. Mesmo que
Nuno tivesse estado ocasionalmente com alguma mulher naqueles cinco anos,
ela achava que não poderia ter sido nada de importante. Regina não o via a
levar uma vida dupla com uma amante. Mais depressa acabaria tudo com ela
do que andaria a enganá-la com outra. Amor, na cabeça de Nuno, rimava com
Regina e ponto final. Não que ela aprovasse eventuais escapadelas dele,
evidentemente, mas, como isso não passasse de meras especulações,
inseguranças suas, Regina achava por bem não sarnar o homem com ciúmes
estúpidos ou acusações disparatadas. Indiferença não era sinónimo de
infidelidade. Nuno não lhe era infiel. Isto é, se não se tivesse em conta o
avião, porque realmente ele parecia gostar mais do seu avião do que dela. Mas
o avião não contava, certo?


Como se não bastasse Regina sentir-se cada vez mais encurralada, agora a
vida pregara-lhe mais uma partida. Com a revolução em Lisboa, o mundo
ficou virado de pernas para o ar de um dia para o outro. Não só o seu, mas o
de toda a gente em Angola. Viviam-se dias de incerteza em Luanda, as
pessoas estavam abaladas, receavam pelo seu futuro. As notícias que

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