O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Conversar sobre o quê?
— Quero saber o que se passa nesta terra.
Patrício retirou um maço de L&M do bolso da camisa, a pensar que era uma
pena ela não se interessar por ele. Ofereceu-lhe um cigarro.


— Queres um?
Regina aceitou. Patrício destacou um fósforo de uma carteira, riscou-o três
vezes até lhe arrancar uma chama, acendeu o cigarro dela, acendeu o seu,
deitou o fósforo no cinzeiro em cima da mesa, deu uma passa e soltou um
fumo lento, a ponderar qualquer coisa. Estavam sentados a tomar um café
numa pastelaria, na Baixa.


— Achas que vamos perder o controlo da situação? — perguntou Regina,
com uma certa ansiedade na voz, na expressão. Patrício espreitou por cima
dos óculos de sol, espantado.


— Vamos? Vamos quem?
— Os portugueses, quem havia de ser?
— Ah, vão, vocês vão, sem dúvida nenhuma.
— Que engraçado que tu és. Não te fica nada bem negar as tuas origens.
— As minhas origens são africanas. Nasci cá, vivi cá, a minha família é de
cá.


— O teu pai nasceu lá — disse ela, imitando a entoação dele.
— Mas isso não me diz nada. Sabes que eu nunca fui a Portugal? Eu sou
angolano.


— Pois, está bem, mas põe muito creme solar quando fores à praia para não
queimares essa tua pele clarinha.


— Queres ver que agora é preciso ser preto para se ser angolano.
— Só estou a dizer que também tens sangue português, porque às vezes
pareces esqueceres-te. — Patrício abriu os braços, tenho sangue português, e
então?


— Até podia ter sangue chinês — disse — que continuava a ser angolano
em primeiro lugar.


— Tudo bem, és angolano, não vamos discutir por causa disso. Agora, diz-
me lá. O que é que tens ouvido? Ele tirou os óculos, dobrou as hastes
cuidadosamente e colocou-os em cima da mesa. Depois encolheu os ombros.

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