O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Algures escondido no interior insondável da floresta, um franco-atirador
tentava abater Nuno enquanto ele saltava do avião em pânico, em busca de
abrigo. Meio desorientado com a urgência de se pôr a salvo, começou a correr
sem saber muito bem para onde, mas com a certeza de que não podia ficar
parado ou seria um alvo demasiado fácil.


Debaixo de um dilúvio de balas, Nuno fugiu para salvar a vida. Correu na
diagonal, passou por uma oficina que não lhe oferecia segurança e continuou
em direcção a uma trincheira que havia mais à frente, cavada debaixo de um
telheiro de zinco, donde ouviu vozes a gritarem-lhe, viu braços a acenarem-
lhe, a incitarem-no a correr mais, mais e mais...


Correr mais, correr mais...
Os pulmões a estoirarem dentro dele, as pernas a fraquejarem, a visão
turvada pelo esforço, pelo movimento, as balas a zumbirem-lhe aos ouvidos
como mosquitos mortais, zzzzzzzttt . Os óculos de sol presos no alto da cabeça
caíram-lhe ao chão, ficaram para trás, nem olhou, que se lixassem os Ray-
Ban.
Continuou a correr, mas as solas lisas das suas botas de carneira não
eram apropriadas para corridas naquele terreno escorregadio e Nuno tropeçou
numa poça, desequilibrou-se para a frente e espalhou-se ao comprido.
Estendeu os braços para aparar a queda e esfolou as mãos. Mas não se deteve,
rodou sobre si mesmo e aproveitou o balanço para se levantar e retomar a
corrida.


Correr, correr, correr...
Uma bala raspou-lhe o casaco de aviador, um risco no cabedal, nas costas,
sem o ferir. Na trincheira rebentou um tiroteio contra as árvores,
tacatacatacataca!!!, fogo de cobertura. As balas deixaram de o perseguir.
Nuno venceu os últimos vinte metros já sem fôlego, movido pelo medo, pela
urgência de encontrar abrigo. Alcançou a trincheira e atirou-se em voo lá para
dentro, aterrando de cabeça no fundo enlameado.


Os tiros cessaram, ouviu-se uma salva de palmas, assobios, uma berraria de
júbilo, ganda maluco!, parecias uma gazela com fogo no cu! e outros mimos
do género. E Nuno, deitado no chão, com a cara coberta de lama, com fogo na
palma das mãos, transido de susto, a resfolegar, a lutar desesperadamente para
encher o peito de ar, olhou espantado para aquela malta alegre, com um
sorriso aparvalhado, confuso, a perguntar-se como é que podiam achar graça a
um gajo a fugir da morte. Eles próprios estavam metidos num buraco, com a

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