O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

vida por um fio, e faziam disso uma festa?!


— Oh, homem, isso é que foi uma corrida! — exclamou o tenente que
comandava o pelotão entrincheirado de armas aperradas. Foi sentar-se à frente
de Nuno, encostado à parede de terra molhada, sem se preocupar se sujava a
farda. Era um tipo grande em todos os aspectos, alto e com uma largura de
ombros impressionante, musculado, de olho azul e cabelo louro, cortado
rente, e uma voz troante. Usava as mangas arregaçadas acima dos cotovelos, o
que lhe acentuava aquele aspecto de não se queiram meter comigo que
inspirava respeito.


— Lá isso foi — concordou Nuno. — Pensei que ia morrer, porra, pensei
mesmo — desabafou.


— Ainda não está livre disso — comentou o tenente, casualmente, como se
fosse uma constatação sem importância nenhuma.


— Mas já estive mais perto.
— Este homem é um herói — disse de repente o tenente, falando alto para
se fazer ouvir pela rapaziada. Os soldados desviaram os olhos da cerca ao
fundo do campo aberto, que vigiavam à espera de detectarem movimento
inimigo, e resmungaram alguns elogios.


— Qual herói... — protestou Nuno. — Com tanta bala a cair-me em cima,
o que é que eu havia de fazer, senão fugir?


— É um herói, sim, senhor — insistiu o outro, indiferente à opinião dele.
Esticou-lhe a manápula. — Tenente Macário.


Nuno    fez o   mesmo.

— Nuno Chaves. — Apertou-lhe a mão a medo, desconfiado, a pensar que
o tipo não deveria ser bom da cabeça. Achou estranho o tenente apresentar-se
porque não era a primeira vez que visitava aquela base militar e lembrava-se
de ter falado com ele anteriormente. No entanto, achou melhor não dizer
nada.


O tenente tirou um maço de tabaco do bolso e ofereceu-lhe um cigarro. Ele
aceitou-o, seduzido pela ideia de que o fumo o ajudaria a acalmar os nervos,
embora ainda sentisse o coração a galope e os pulmões a esforçarem-se para
sugarem oxigénio da atmosfera húmida, que se respirava mal e que deixava

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