O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

uma pessoa encharcada em poucos minutos. O tenente acendeu um cigarro e
atirou-lhe um Zippo prateado que Nuno apanhou no ar. Acendeu o seu e
esticou-se para devolver o isqueiro.


— Então — disse o tenente, a mastigar uma fumarada — diga-me lá qual
foi a ideia daquela cena kamikaze sobre os turras . — Nuno sorriu.


— A ideia foi obrigá-los a abrir fogo, para vocês ouvirem e não serem
apanhados desprevenidos.


— Ah! — exclamou o tenente, com uma grande gargalhada, logo
acompanhado pelo riso dos soldados mais próximos. — Essa é muito boa. —
Nuno continuou a sorrir, a sentir-se parvo, mas a sorrir.


— O rádio não funcionava, presumo... — disse o outro, ainda a rir.
— Só estática — explicou, sem perceber a piada. — Passei por uma
tempestade no caminho para cá, que quase me deitou abaixo e deve ter
partido a antena. — O tenente não conseguia parar de rir, sempre a dizer: essa
é muito boa. Este homem é levado da breca, com lágrimas nos olhos,
contagiando os soldados, que embalaram numa gargalhada colectiva.


— Qual é a graça? — perguntou Nuno, embatucado no seu sorriso
envergonhado.


— A graça — disse o tenente, a limpar os olhos com as costas da mão e
respirando fundo para se recompor — é que os turras eram nossos
convidados.


— Eram o quê?!
— Eram nossos convidados, ouviu bem.
— Nããão!
— Siiim!
— A sério?
— A sério.
— A que propósito? — O tenente pôs-se sério, subitamente.
— O idiota do nosso capitão — rosnou — acha que a guerra acabou por
causa da merda da revolução e, vai daí, quer receber o inimigo com palmadas
nas costas. Convidou uma delegação de turras para entabular conversações.
— Imitou o nosso capitão com uma expressão e um tom que destilavam
desprezo.

Free download pdf