O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Uma delegação? — objectou Nuno. — Eles vieram todos!
— Meu tenente — chamou um dos soldados. — Temos um gajo a tentar
saltar a vedação.


— É como lhe digo, meu caro — continuou o tenente, ignorando o aviso
—, o nosso capitão é um idiota.


— Incrível... — Nuno abanou a cabeça, incrédulo.
— Meu tenente, já são dois.
— Não me interrompa, soldado! — irritou-se. — Não vê que estou a falar?
— E não se ouviu nem mais um pio na trincheira. — Eles vieram todos, diz
você, é claro que vieram todos. Eles são muito unidos ironizou. — E, se nós
os deixássemos entrar, não teriam nenhum pejo em limpar-nos o sebo em três
tempos.


— Imagino que sim — disse Nuno, a começar a ficar ansioso por o tenente
não tomar providências para evitar que os guerrilheiros saltassem a vedação.
Nuno estava de costas para a cerca, encostado à parede da trincheira, bem
encolhido no fundo de lama. Nem se atreveu a espreitar para ver o que se
passava lá fora.


O tenente Macário deu uma derradeira passa no seu cigarro, atirou-o para o
chão e pisou a beata com a bota da tropa. Ergueu a cabeça, curioso, viu os
guerrilheiros a trepar pela rede da vedação, voltou a sentar-se, apoiou os
braços nos joelhos com as mãos entrelaçadas e continuou a olhar para Nuno
enquanto falava para o lado.


— Oh, Pereira — enfastiou-se. — Do que é que está à espera para varrer
aqueles merdas da minha base?


— É para já, meu tenente — respondeu o soldado.
O Pereira estava a cerca de quatro metros, entre dois camaradas, armado
com uma metralhadora MG42, de calibre 7,92 mm, apoiada em tripé e com
carregador de fita. O soldado engatilhou-a, abriu fogo e despachou um
carregador de cinquenta cartuchos numa questão de segundos. Quando a arma
se calou e o fumo da pólvora se dissipou, os dois guerrilheiros jaziam mortos
no chão, desfeitos numa poça de sangue. Os seus corpos tinham literalmente
explodido com o impacto das balas. O pior, na perspectiva do tenente, o que o
deixou mesmo chateado quando levantou novamente a cabeça para ver o
resultado da descarga, é que a cerca também tinha desaparecido, deitada
abaixo pela violência dos projécteis. E agora havia um buraco da largura de
uma auto-estrada, por onde se podia passar à-vontade, sem qualquer

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