O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

Por volta da uma hora da madrugada, o inimigo ensaiou um assalto em
força. As tropas começaram a ser alvejadas, choviam balas sobre a trincheira
e um soldado foi atingido. Horrorizado, Nuno viu-o ser projectado para trás
com o ombro esquerdo desfeito. Os camaradas saltaram para o resgatar do
fundo da poça, onde ele quase se afogava sem forças para se erguer. O tenente
aproximou-se aos gritos, a enxotar os soldados. Fora daqui!, ordenou-lhes.
Voltem para os vossos postos! Segurou o ferido pelos colarinhos, puxou-o
para cima com uma mão enquanto continuava a dirigir a defesa, a dar ordens.


— Não se encolham, homens — disse. — Se os turras passarem a vedação,
estamos bem fodidos! — gritou. — Enfermeiro! Onde é que está o raio do
enfermeiro?!


— Estou aqui, tenente! — ouviu-se uma voz e o enfermeiro surgiu do
escuro a correr e ajoelhou-se ao lado do ferido para o acudir.


Os tiros continuaram a flagelar a posição do exército. Uma bala certeira
raspou no capacete de um soldado. Nuno conseguiu ouvir perfeitamente o
som metálico do embate e viu o jovem abaixar-se aflito, encostar-se de lado à
parede, retirar o capacete e passar a mão na cabeça para confirmar que não
estava ferido. Os olhos chocados do soldado encontraram-se com os de Nuno.
Trocaram um sorriso amarelo. Foi sorte.


Lá ao fundo, os guerrilheiros aproveitavam o fogo de cobertura para
abrirem um buraco na vedação. Cinquenta metros à esquerda e outros dez à
frente, em relação à trincheira, havia uma estrutura de metal com uma bateria
de holofotes.


— Atenção malta! — gritou o tenente em voz baixa. — À minha ordem,
acendemos os faróis e encadeamos os gajos. Quando isso acontecer, é fazer
fogo à vontade, percebido?! Pereira, despeja-me essa MG em cima deles.
Podes deitar a cerca abaixo.


— Entendido, meu tenente.
— Atenção, preparem-se... Acendam as luzes agora! Fogo! Fogo! Fogo!
De súbito, o terreno iluminou-se como um campo de futebol para o jogo
grande da jornada. Uma luz branca, intensa, banhou todo o terreno até à
vedação, onde os guerrilheiros já se acumulavam, prestes a invadirem a base
militar. O inimigo, surpreendido e assustado por se ver inesperadamente numa
situação vulnerável, cessou o fogo, hesitou um ou dois segundos vitais. Foi

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