assustador quanto tinha de ser mas não era leviano. Ele lá tinha as suas
razões, achavam, e não lhe questionavam os métodos menos ortodoxos, antes
preferiam acreditar na verdade insofismável de que a lógica da civilização não
se aplicava à dureza do mato. Afinal de contas, quem se espantava se uma
onça matava um boi-cavalo para viver? Logo, o que era condenável num sítio
não seria necessariamente censurável no outro. Diferentes circunstâncias,
diferentes atitudes. Acrescia que o tenente era de uma coragem indiscutível,
virtude essa valorizada mais do que qualquer outra num lugar onde vigorava a
lei da selva. Todos, sem excepção, o tinham como um gajo porreiro, amigo do
seu amigo, inimigo do seu inimigo. O que se passava no mato ficava no mato
e, em regressando à cidade, o tenente voltaria a ser um tipo pacato e
perfeitamente sociável. E, se alguém tinha boas chances de voltar à cidade,
esse alguém era o tenente Macário, portanto, era bom que lhe seguissem o
exemplo e se deixassem de merdas, como costumavam dizer aos novatos em
tom de aviso, logo que estes presenciavam algo pela primeira vez que os
deixava em estado de choque e mudos durante uma semana.
Os soldados, empenhados no tiroteio desembestado, continuaram a disparar
com tudo o que tinham mesmo depois de já não haver um único guerrilheiro à
vista ou um tiro de resposta. A vontade de matar, a necessidade imperiosa de
correr com o inimigo, o frenesim da batalha, inibiu-lhes o discernimento e
nem repararam que já só estavam a alvejar as árvores e a gastar munições
inutilmente. Não ouviram a ordem de cessar-fogo, não deram conta dos gritos
do tenente que teve de ir ao pontapé e à estalada no topo dos capacetes para
os despertar do transe guerreiro e fazê-los parar.
Entretanto, tinha passado um minuto ou dois e, ao apagarem-se os holofotes
para as lâmpadas não serem alvejadas, caiu-se numa treva pesada e sinistra
até os olhos se habituarem de novo à penumbra nocturna. A calma
restabelecida, o silêncio sussurrado dos soldados ainda a descomprimirem da
fuzilaria sem freio, transmitiu uma perturbadora sensação de tragédia.
Encolhido no seu lugar na trincheira, Nuno emergiu aos poucos do pasmo da
batalha, que o deixara sem palavras e sem fôlego. Agora, voltando a encher os
pulmões, sentiu no ar húmido da noite o cheiro a cordite e, não obstante a
momentânea cegueira, ainda continuava a ver a imagem das armas a cuspirem
fogo contínuo e a ejectarem centenas de cápsulas que caíam aos pés dos
atiradores. Nuno imaginou que, dali a algumas horas, o novo dia lhes
apresentaria o espectáculo chocante de uma amálgama de corpos desfeitos
junto à vedação. Deveria haver ali dezenas de mortos, calculou ele. Mas a
noite estava longe do fim e, pelo resto da madrugada, Nuno ainda haveria de