reviver o mesmo horror uma e outra vez, porque os ataques foram-se
sucedendo e, em cada um, acendiam-se as luzes dos holofotes e explodia o
tiroteio de retaliação. Contudo, os franco-atiradores inimigos também fizeram
o seu trabalho e, aí pelas três da manhã, já não restava um holofote inteiro e o
exército teve de voltar a recorrer ao very light para não se deixar surpreender
pelos esquivos guerrilheiros. A situação foi-se degradando ao correr da
madrugada. Dava a ideia de que o inimigo tinha recebido reforços, pois já não
se limitava a atacar aquele flanco. Gradualmente, a noite foi sendo preenchida
pelo cantar crescente das armas automáticas e pelas explosões de granadas
lançadas pelas RPG-7 , a maior ou menor distância, conforme o sector que
estivesse a ser flagelado. As coisas estavam a aquecer e Nuno pressentia o
nervosismo dos soldados, o que o deixava igualmente inquieto.
Aos primeiros alvores do dia, a guerrilha lançou um ataque generalizado
sobre a base e o fragor da batalha assumiu foros de desespero. Os homens já
não dormiam há vinte e quatro horas e davam sérios sinais de cansaço, pois
adormeciam de arma na mão e Nuno reparava neles a escorregarem de barriga
pela parede da trincheira abaixo, de rosto enfiado na lama e olhos fechados, já
sem forças nas pernas para se aguentarem de pé naquela incómoda posição.
Valia a energia inesgotável do tenente e do sargento que logo lhes caíam em
cima aos gritos e ao pontapé e os obrigavam a retomar os seus postos de
combate. Mesmo quando se tratava de dar réplica aos avanços do inimigo, os
soldados já não retaliavam com o ânimo belicoso das primeiras horas. A raiva
assassina extinguira-se com a maceração dos músculos, o esgotamento era tal
que tinham dificuldade em suportar os quatro quilos e meio da G-3 e, ao
disparar, não conseguiam manter a espingarda direita. As balas fugiam em
todas as direcções. À distância, tanto podiam bater no solo antes do alvo
como subir até às copas das árvores. E em tiro automático o resultado era
ainda mais confrangedor, pois, entre o coice da arma e a falta de força no
dedo para manter o gatilho apertado, pareciam bêbados sem préstimo.
Furioso com a pontaria errante dos seus soldados, o tenente Macário andava
numa roda viva, exortando-os a atinarem com a mira.
— Acordem, suas cavalgaduras! — gritou-lhes. — Daqui a bocado, temos
os turras aqui dentro e sempre quero ver qual de vocês vai ser o primeiro
enrabado.
E, num acesso de cólera, sacou do coldre a sua pistola Walther m/961 e
começou aos tiros na direcção certa, enquanto gritava que queria toda a gente
a atirar para ali e não para o alto das árvores, nem prá casa do caralho!