O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

Entretanto, já havia guerrilheiros emboscados em toda a linha de árvores, a
visarem a trincheira à tripa forra. O resultado era um morto com um tiro na
cara e diversos feridos, uns piores dos que os outros, uns inutilizados e
levados para a retaguarda, outros ainda válidos e de regresso ao combate logo
que os enfermeiros acabavam de os entrapar com ligaduras improvisadas.


Tenho de fazer alguma coisa para ajudar, inquietou-se Nuno, ao escutar as
proféticas palavras do tenente sobre o que lhes aconteceria se os guerrilheiros
pusessem o pé na trincheira. A tropa vacilava, estavam a perder terreno, a
queda da posição parecia iminente, se fosse capturado pelo inimigo teria
seguramente sorte idêntica à dos militares, e, enfim, pesadas as
circunstâncias, Nuno achou por bem pedir uma arma e juntar-se à refrega.
Deram-lhe só uma pistola, porque as munições já escasseavam e, como ele
nunca havia disparado uma espingarda automática, certamente que faria ainda
pior figura do que os soldados cansados se lhe passassem uma G-3 para as
mãos. Nuno empoleirou-se no topo da trincheira, pouco à-vontade por se
sentir exposto, e disparou sem qualquer critério. «Não é assim que se dispara,
pá!», ralhou-lhe o soldado ao seu lado, o mesmo com quem estivera a fumar
charros horas antes, e explicou-lhe como segurar na pistola com uma mão
firme e apoiada na palma da outra. Então, mais moralizado, Nuno decidiu
abstrair-se do perigo e concentrar-se na pontaria. Quis fazer boa figura, por
uma questão de brio ou por qualquer outro motivo que o instigava a não
falhar, mas depressa descobriu que não era fácil acertar num alvo a cinquenta
metros de distância e escondido atrás de uma árvore. E ainda se tornava mais
complicado se o alvo ripostava. Ora, este alvo tinha uma Kalashnikov e, em
conjunto com os restantes, disparava tantas balas que mal dava tempo para
Nuno respirar. Pôr a cabeça de fora, fazer pontaria e disparar, e fazer isto tudo
sem entretanto levar com uma bala na testa, era obra, pensou ele, já menos
convencido de que conseguiria acertar em quem quer que fosse. De maneira
que se contentou em engrossar a barreira de fogo que procurava manter o
inimigo ao largo. De qualquer forma, uma pistola não fazia qualquer
diferença àquela distância. Mas isso ele não sabia.


Se bem que agora, com a adrenalina ao máximo, o tenente e o sargento já
não tivessem de andar ao pontapé às tropas para que lutassem pela própria
vida, a verdade é que a situação se apresentava desesperada. Surpreendidos
com a força inusitada da guerrilha, os portugueses viam-se a braços com
ataques poderosíssimos, em vagas, e, ou acontecia um milagre nos próximos
minutos, ou bem podiam encomendar a alma ao criador.

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