O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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As comunicações via rádio estalaram com a voz do piloto a anunciar-se por
cima da estática. Iam dois pássaros a caminho, informou, onde queriam que
largassem a carga? O operador de rádio, com o ansioso capitão da base atrás
dele, transmitiu as coordenadas e pediu-lhes que se despachassem ou não
haveria ninguém para salvar. Entendido, crepitou a voz do piloto, três minutos
para a incineração. Abriguem-se bem, que vai chover fogo.


Foi o tempo de passar a palavra e mandar toda a gente para o fundo das
trincheiras. Os dois F-84 Thunderjet fizeram uma passagem baixa sobre a
linha de árvores onde se acoitavam os guerrilheiros, largando os seus quase
dois mil quilos de bombas e, de um momento para o outro, toda aquela frente
de mato desapareceu sob uma bola de fogo de proporções infernais. Deu-se
uma série de explosões gigantescas, do tamanho da floresta, e, mesmo
espalmados no fundo da trincheira e meio submersos na piscina de água da
chuva enlameada, os soldados tiveram a sensação de que alguém tinha aberto
a porta do forno. Ali a cinquenta metros, o mundo ardeu, o oxigénio foi
sugado abaixo da copa das árvores e nenhum ser vivo que se encontrasse
naquele ambiente coberto de gasolina gelificada em chamas teve a menor
possibilidade de sobrevivência.


Bendito napalm , viu-se Nuno a pensar, sem que alguma vez lhe tivesse
passado pela cabeça que chegaria o dia em que se sentiria reconfortado ao ver
a Força Aérea usar as maléficas bombas, com todo o seu poder destrutivo. O
calor na trincheira era tanto que a cara ardia-lhe como se tivesse passado uma
tarde ao sol na praia. E acreditou que a roupa e o cabelo só não pegaram fogo
por estarem encharcados. No entanto, enfiou a pistola dentro da poça,
desistindo rapidamente de a manter seca quando o metal aqueceu ao ponto de
Nuno achar que poderia derreter-lhe na mão.


Os caças andaram por ali a rondar durante mais uma meia hora e Nuno
ouvia-os a fazer voos rasantes e a varrer a área circundante com as suas
potentes metralhadoras. Depois despediram-se com uma saudação jovial.
Avisaram que voltavam à base mas vinham reforços a caminho. E, de facto,
em breve, a magnitude de horror que representava o cenário do mato em
chamas ainda se tornou mais irreal quando o primeiro helicóptero Puma
planou sobre o terreno, levantando espirais de poeira avermelhada e volutas
de fumo negro dos incêndios que grassavam em redor. Um grupo de tropas
comandos saltou do helicóptero, o qual se ergueu logo e se afastou enquanto
os homens se dirigiam em passo de corrida para as instalações da base. Um

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