O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

segundo Puma passou a sobrevoar a base e seguiu para lá da cortina de fogo.
Levava duas equipas de comandos e ia no encalço dos guerrilheiros em fuga.
Entretanto, os soldados tinham saído da trincheira e abraçavam-se numa
algazarra festiva, que Nuno achou ser mais a expressão do alívio do que o
regozijo da vitória.


Os comandos passaram por eles sem um bom dia, malta, e continuaram em
fila indiana para um lado qualquer das instalações da base. Traziam
equipamento ligeiro e as mangas dos camuflados arregaçadas acima dos
cotovelos, o que lhes emprestava um aspecto enganadoramente aligeirado
para quem se preparava para se envolver numa escaramuça mortal. Ninguém
diria que iam perseguir os mesmos guerrilheiros que tinham acabado de travar
uma batalha terrível com um efectivo de soldados bem mais numeroso e com
armamento mais pesado. Contudo, tratava-se de uma unidade de elite e, em
combate, cada um deles valia por uma mão cheia de milicianos. Eram homens
duros, bem treinados e gabavam-se de caçar os guerrilheiros no mato e de
lhes fazerem as últimas quando lhes deitavam a unha. O facto de não terem
uma palavra de apreço pelos milicianos devia-se a não terem realmente
grande consideração por eles. Achavam-se superiores, militares a sério, e
faziam gala em mostrar o seu desprezo pelas medíocres qualidades guerreiras
da tropa fandanga. Os seus rostos fechados, algo complacentes, queriam dizer
que se fossem eles que lá tivessem estado durante a noite não teriam deixado
um único turra vivo para ver o dia nascer. Os comandos teriam aproveitado as
condições ideais de uma madrugada escura como breu, tempestuosa, nublada
e sem luar, ter-se-iam infiltrado no mato, onde a ramagem frondosa ainda
tornava a visibilidade mais impossível e, silenciosamente, teriam eliminado
um a um os primeiros guerrilheiros e lançado o terror entre os restantes. Mas,
como bem sabiam, os soldados regulares preferiam resguardar-se na relativa
segurança das trincheiras e ficar à espera de que alguém os viesse salvar.


Os comandos estavam em África para ganhar a guerra, enquanto os
milicianos estavam à espera que a sua guerra acabasse para poderem voltar
inteiros para casa. Se havia uma unidade rival dos comandos por aquelas
bandas era a dos pára-quedistas e, eventualmente, os flechas. Só que,
enquanto os páras competiam em resultados com os comandos, os flechas não
queriam saber de rivalidades. Tratava-se de um grupo de combate formado e
treinado pela PIDE/DGS. A Polícia Política do regime, encarregada das
informações estratégicas e das acções clandestinas no teatro de guerra,
recrutara originariamente os flechas entre os bosquímanos, pequenos homens
de aspecto franzino, oriundos de uma minoria étnica do Cuando-Cubango,

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